Saturday, May 05, 2007

Passadismo: a moda retrô na era da internet


O hype agora é o passado. Nunca esteve tão em alta o culto aos grupos/movimentos/sonoridades de certo passado recente (principalmente, a "era de ouro" da música pop - décadas de 60 e 70 e adjacências). Com a internet, a música pop, que sempre viveu de retroalimentação, agora, mais do que nunca, é cíclica - vive de fases; entre a busca de referências em décadas anteriores e esparsos [e cada vez mais raros] saltos de inovação.

Para constatar isso é simples; basta uma rápida zapeada pela Mtv, ou mesmo cinco minutos de audição da rádio mais “moderninha” da cidade. Pronto: sacou que as bandinhas mais in estão reciclando os anos 80? E os dinossauros que vivem de um passado glorioso? Talvez tenham ouvido uma voz feminina com trejeitos de black music dos anos 60/70, não?! Algo como a nova "Aretha Franklin branca". Uau! Ainda, basta uma rápida passada pelos lançamentos do último trimeste que salta aos ouvidos três pérolas dessa retro-reciclagem-remix-cool dos anos 00; o cd Back to Black de Amy Winehouse, o mais novo da queridinha Joss Stone, Introducing Joss Stone, e, para misturarmos Jesus com Genésio, Momento de Bebel Gilberto.

O primeiro, da polêmica Amy Winehouse, impõe sua potência. Voz poderosa, letras ácidas e um groove cortante, estilhaçam qualquer tentativa de desqualificá-la por suas constantes aparições em tablóides. Sua vida tumultuada, regada à doses cavalares de bebidas e vexames, dá a tônica das letras e contagia de espontaneidade o careta mundo pop atual. Se a princípio a sensação de já-ouvi-isso-tudo pode afastar um eventual ouvinte, a força de hits como Rehab ou Addicted levanta qualquer suspeita de falseamento tão comum nas novas divas do retrô que pululam das revistas inglesas e que consequentemente o mundo abraça.

Joss Stone é um caso sério. A bonitinha causou furor com sua aparição repentina há alguns anos, sendo comparada com as grandes divas do soul e r&b, e tudo o mais. Nada mal para uma garota na época com 16 anos. Entretanto, esse novo disco, Introducing Joss Stone, é, com a desculpa do [mais um!] lugar comum, sem sal. Ao que parece, Joss Stone, ou seus produtores (sabe-se lá), tinha a intenção de sair das comparações e se mostrar com uma personalidade vocal/sonora própria. Conseguiu o efeito oposto, penso. A participação de Lauryn Hill é o ponto alto do disco, mas a garota não consegue segurar a onda sozinha; perde-se entre a tentativa de se mostrar diferente e manter as vendagens anteriores. Parece-me que essa tentativa de equilíbrio deixou sua música sem personalidade - as rádios adorarão.

Bebel Gilberto, mais afeita a Nova York à Londres, produz um disco que destoa das duas artistas citadas. Primeiro, por que o universo bretão é processado de uma forma diferente; já que não é inglesa ou norte-americana, mas brasileira. Depois, por que suas referências são outras. Referências à música negra aqui são, se as têm, indiretas; o passado vem em forma de bossa nova e, todos sabem, bossa nova é um samba “higienizado”. A bossa nova-lounge de Bebel, nesse disco, continua cool, mas não deixa de ter suas afetações. Quem espera por algo novo pode se decepcionar, mas isso não quer dizer que o cd é ruim. Pelo contrário, o ambiente eletrônico e a batida bossa nova harmonizam-se bem, as letras e a voz da cantora fecham bem o clima fim-de-tarde que Bebel deseja. Às vezes, parece estar um pouco distante do universo musical nativo atual (que nem a presença da boa composição, Tranquilo, de Kassin, com participação da Orquestra Imperial, consegue mudar), mas talvez seja essa condição de desenraizamento (sua música não pertence nem a Nova York nem ao Brasil) que fazem seu "passadismo" soar mais como uma reverência do que como mero oportunismo.

Se Amy Winehouse consegue emular o soul dos anos 60/70 de um modo autêntico; Joss Stone prefere afastar-se dele camuflando-se de moderninha, caindo, assim, na armadilha do estabelishment do R&B/Hip Hop/ Pop atual. Já Bebel Gilberto, antípoda latino-americana das inglesas, consegue trazer com dignidade o passado para sua música, com o perigo de afogar-se em clichês, é certo, mas dando um leve sopro de renovação.

O "passadismo" atual é sintomático de uma era de excesso[s] de [da] informação. Talvez seja cedo demais para afirmar qualquer coisa sobre os efeitos da internet na música pop[ular], mas com certeza podemos dizer que ela alarga as referências em detrimento do estreitamento das distâncias das diferentes “aldeias” musicais; produzindo, por um lado, fluxos de aparente falta de criatividade – favorecendo remixes e releituras –; por outro lado, favorecendo o trânsito de informações musicais, a enriquecer assim a biodiversidade musical. Os três casos acima citados expressam ora uma, ora outra tendência; a história da música pop[ular], desterritorializa-se no ambiente veloz e plural da internet, tornando-se dócil ao toque daqueles que a souberem manipular... e o futuro a esses pertence.

por Carlos Eduardo Pinheiro