Acordo cedo numa manhã de segunda-feira e saio para uma caminhada que seria tranquila não fosse uma trôpega criatura embandeirada dos pés à cabeça cruzar meu caminho, um estouro de foguete no horizonte e a vinheta global - três letras que ecoam nas esquinas como um lamento oco no deserto...
O futebol tem dessas coisas, sintetiza a vontade e a perdição de uma idéia que não foi. Se chegou a ser, já passou. O pós-brasil de Lula ainda tenta reascender aquela "vontade de ser" tão propalada por militares e socialistas no século passado. Hoje só restam o riso histriônico de bêbados e a "brasilidade" forjada em reuniões de marketeiros em algum restaurante francês em São Paulo ou Brasília. Nada sério.
O caso é que em tempos de copa do mundo o Brasil se levanta do sofá no domingo e sai para se mostrar nas ruas numa abobalhada anarquia verde-amarela, com direito a comentários instigantes de Galvão Bueno e o já célebre "a regra é clara, Galvão". Sim, a regra é clara: ano de Copa do Mundo o Brasil se re-faz, na alegria de um gol e nas urnas. De quatro em quatro anos recolhemos os cacos de um antigo monumento e refazemos uma idéia que retiramos da tradição forjada em meio a uma ditadura populista e uma ditadura militar. Naqueles tempos em que "[n]a mão direita [havia] uma roseira/ autenticando a eterna primeira" enquanto "no pulso esquerdo um bang-bang/[que] em suas veias correm muito pouco sangue/ mas seu coração balança[va] a um samba de/ tamborim", éramos um corpo e não sabíamos (ou sabíamos que éramos um corpo, mas fingíamos que não, tudo em prol do vir-a-ser). Hoje nos alegramos em recolher os estilhaços daquele corpo e alegremente montarmos um Brasil como um vitral barroco.
A bandeira verde-amarela, o hino, o personalismo, a miscigenação, a cordialidade, a alegria, a corrupção etc etc etc. todos os elementos empilhados em ruas, esquinas, bares, clubes, residências, puteiros, repartições públicas, favelas, bancos, shoppings, condomínios fechados, jornais, revistas, Tvs, rádios, etc etc etc. O Brasil ali para todo mundo ver, tocar e sentir. O Brasil que foi e que não foi, lado a lado, etéreo e sintetizado no toque na bola, na gordura de Ronaldo, no estouro do foguete, nas urnas... O Brasil que é, que foi e que será, eterno e fragmentado, perdido entre o vir-a-ser e o "já foi".
O Brasil tem dessas coisas... tem inclusive eu que escrevo e voto como um dia joguei futebol: com duas pernas esquerdas (reparem bem, não sou canhoto)!
Carlos Eduardo Pinheiro