Thursday, June 01, 2006

Afronto

Espantoso parar uma cidade para um encontro “total black”. Estranho os melhores hotéis e restaurantes reservados para as comunidades negras. O palco, as ruas, todos tinham “donos”. Mas estranho mesmo é que isso ainda seja espantoso para muitos. Muitos que insistem em negar que o Brasil é negro. Somos todos pretos mesmo, uma herança que se estende a tudo, nossa história, nossos “de comer”, nossas cores, a música, nossa religião fantasiosa, rica, nossa língua. Reverenciemos a cultura afro por ter nos livrado da insipidez.

Bem, não era para começar tão político assim. É que a dureza da hipocrisia nos leva a discursar. O tal do racismo velado existe mesmo e é foda. Aquela história de tornar o respeito uma questão de caridade. Ou então fingir que está tudo uma tranqüilidade só. Tudo isso é muita sacanagem. Então vem um momento como esse, um Encontro Afro (um dos poucos eventos no Brasil dedicado apenas à temática afro), que vai de encontro a tudo isso, invertendo toda a “ordem”, questionando a negligência, ressaltando o orgulho, a beleza....

Olhando os negros, seus olhos têm uma força, uma postura. Sua maneira de falar, seus cabelos, roupas, um estilo tão impetuoso. Falavam da suas lutas com sobriedade, veemência. Sorriam muito. Enquanto os tambores de samba de roda batucavam nas ruas, nas salas havia uma ou outra prosa científica, noutro canto repicava o som do berimbau ou um break hip hop. Era de dar nó na garganta. E ali, na cidade de Goiás Velho, toda construída por braços de escravos. Era quase que um culto aos ancestrais.

Pensava em como toda essa gente resiste, o quanto essa gente produz relicários que seríamos incapazes de oferecer. Estão muito longe de serem só “os negros da ginga, da malevolência, do corpo dourado”. Nos dão muito mais que isso. A vontade era de tomar um banho de piche e virar preto também. Por quê? Não, não é porque “tá na moda” não. Simplesmente não há outra maneira de penetrarmos nesse mundo sem enegrecer.

Ah, só registrando foi muito bonito a roda de Candomblé feita para receber o governador do estado no evento. No centro da roda, Ode, um dos orixás do Candomblé fazia uma dança com facas. Rodopia, ginga, até o momento que sai da roda e se põe a dançar no meio da multidão. Com as facas. Cruza uma e outra, roda, corre de um lado para o outro empunhando as tais facas, grandes, afiadas (porque vieram mesmo da cozinha) e de repente pára em frente ao ilustre convidado, e continua dançando, cruzando as facas próximo ao rosto rechonchudo do governador. Ele sorri, sem graça, tenta acompanhar o ritmo da música, mas alguma coisa me diz que ele não estava muito à vontade. Pena. A festa estava realmente bacana.

Lorena Maria e Silva

1 comment:

Pororoquinha said...

Se rendeu, moça!

Fico lembrando do sorrisão da Zita, quem me dera ter tanta ginga, não se aprende, infelizmente tem que ser negro mesmo pra saber!