Monday, September 18, 2006

A queda de um líder


Uma história de calor, diversão, honra, derrota e honra nos confins de Salvador



Não importa se é dia ou noite, as ruas de Salvador são sempre quentes. Um calor abafado, úmido e salobro. Sorte dos turistas desacostumados com tal clima que a brisa, ou melhor, os ventos alísios refrescam o ambiente. Ou pelo menos impede que suem em bicas.

Além do alento natural, a que se observar a necessidade de repor os líquidos e sais minerais perdidos nas caminhadas pelas intermináveis ladeiras do Pelourinho e de demais regiões turísticas da cidade. Esse esforço marcou um grupo de jovens, em Salvador para fins estudantis e, principalmente, turísticos.

Da semana que passaram na cidade quase não descansaram. Ninguém queria perder um minuto de praia -- moravam a pelo menos mil quilômetros de cada pontinha de mar. O dia começava cedo e o grupo seguia quase cegamente sob a batuta do grande Bob. Bob tinha o dom natural da liderança.

Era ele quem dava a palavra final sobre os destinos dos jovens deslumbrados. Como bom democrata, consultava a todos. Em face de opiniões divergentes dava a palavra final: mais uma prova do senso de liderança.

Depois de uma tarde de morgação na tentativa de se recuperarem da noitada anterior, o grupo decide seguir para o Pelourinho. Antes passariam no famigerado Elevador Lacerda. Acontecia na praça em frente ponto turístico um ato estudantil que gerara discussões acaloradas e opiniões divergentes entre os membros.

Alheios ao ato, seguiram para o Pelô junto ao por do sol. Quinze, vinte pessoas num coletivo cheio de gente cansada e fadigada por mais um dia de rotinha. Mas para eles, não, tudo era novo. A empolgação só ficava contida pelo calor e o cansaço.

Depois de uma quase uma hora no ônibus e de frente a morfeu, enfim os estudante chegam ao portal do Pelô. O cansaço vai vagarosamente sendo substituido pela alegria de conhecer o novo. O ato tinha chegado ao fim e eles poderiam curtir sem preocupações.

Grande líder Bob, sedento, compra naquela lanchonete onde o pingado representa um perigo real uma garrafa daquelas vistosas de líquido energizante Gatorade. Sabor morango. Um uma delícia, geladinho, dizia a feição do líder. O negócio estava tão gostoso que o bocal da tampa foi descartado, só pra que o líquido fluísse mais rápido.

Trinta passos, cinco centavos na catraca e quatro bons goles. Bob e seus intrépidos amigos passaram pelo curralzinho e já estão diante o elevador lacerda do lado direito de quem desce. Uns cinco ou seis baianos esperam o transporte com cara de preguiça. Do lado de fora da cercania, um garoto maroto (perdão pelo trocadilho cafajeste, não resisti).

"Ô, tio, me dá um golinho?" A turma toda estava cansada. Poucos viram a exitação do líder. Foram frações de segundo em que ele olhou para a adocicada bebida e para o garoto. Uma criança dessa não pode fazer nada de mal, pensou. A hesitação, por certo, era da boca, que há muito não devia ver uma escova.

Entregou o Gatorade ao garoto, quase sem retornar o braço, pronto para pegar de volta.

Um. Dois. Três. Quatro. Cinco.

Cada segundo era um passo da criança rumo à liberdade das ruas. Peco em não lembrar, mas creio que ele teve a dignidade de agradecer.

Esses segundos foram uma eternidade. O riso, não, não, a gargalhada cumplice veio acompanhada do dedo em riste na direção de Bob. Toda a liderança desmoralizada em cinco segundos. Por uma criança. Depois de refletir as testemunhas concluem que só mesmo uma criança teria esse poder.

Aquele rosto é indescritivel. Um misto de raiva e compaixão, característico dos grandes líderes populares. O franzir das sobrançelhas é o reconhecimento da derrota. Elevador abaixo em alta velocidade, Bob encontra amparo nos braços de Iracema. O pensamento, só estava em um lugar: como estaria gostoso aquele último gole de Gatorade.

Pedro Palazzo Luccas

2 comments:

Anonymous said...

Mandou bem Carcamano! Ainda bem que não mexi no texto mesmo. Ressalto também minha grande admiração pelo mestre Bob! É fundamental ter alguém pra por ordem no putêro e contar a grana no bar enquanto tá todo mundo lesado. Um fenomenal tesoureiro para qualquer C.A. Um balconista para qualquer buteco de esquina. Um forte candidato ao Aprendiz 4. Enfim,...

Anonymous said...

Se a delegação de estudantes tinha mesmo Bob como líder, este perdeu toda sua 'autoridade' no Elevador Lacerda!
Palazzo, que talento, vc disse tudo! E valeu pelas palavras João!

Ah, o famigerado meliante baiano levou o Gatorade sem agradecer mesmo...