Wednesday, October 25, 2006

Algumas coisas nunca mudam

Aos 43 anos sente a gravidade pesar-lhe o rosto. "Tanta merda
tecnológica, mas nada impede ação do tempo." Olha o espelho com
saudade. Vê a olheira, roxa e levemente inchada, como a convalescência
do poder de um soco. Não se incomoda com a aparência, mas preferia
poder optar. Via atrás do reflexo memórias: aquela noite inesquecível.
Tantas outras que pareciam disperdiçadas em conversas sem propósito.
"Propósito pra quê?!" Não se arrepende de nada.

Sai do banheiro para a janela do quarto – quarto-sala, copa, cozinha e
dispensa. Olha pela janela do 158º andar. O céu é laranja e turvo.
Procura carros, mas nada vê. Era uma das poucas "maravilhas" que
esperava do mundo moderno: carros voando. É o que restou dos filmes de
ficção científica dos anos 80. "Espantoso como as coisas mudaram da lá
pra cá."

Olha na palma da mão a leve luz que azulada que indica o visor do
telefone: pensa numa, pensa noutra, mas não liga. Quer sentir o vento
no rosto, mas não há meios de abrir o vidro. Volta ao banheiro e senta
se na privada. Pensa na degradação humana enquanto escorrega as mãos
pelos dispersos cabelos da testa. "Associação." Nada lhe sai.

Sua e se arrasta sobre as pernas até a cama. Deitado, olha para a
janela e constata um céu laranja. De barriga pra cima, fecha os olhos
e consulta na pálpebra as horas.Um toque na parece aciona o aparelho.
"Hora de consumir meu passado." Um toque na parede liga o aparelho, no
teto. Chaves e Chiquinha brincam no pátio. "É, ainda bem que algumas
coisas nunca mudam."

Pedro Palazzo Luccas

1 comment:

Anonymous said...

Aê Pedroca, curto esses seus personagens no fio da navalha! Ô moçada com jeitim suicida!