Monday, November 27, 2006

O silêncio das idéias

Num desses rompantes característicos da juventude em defloramento intelectual, Samir reuniu os amigos e decretou: vamos criar um site! Um site de jornalismo em que poderemos escrever sobre cultura, cinema, política e os assuntos aqui da faculdade. Sorrisos brotaram dos rostos dos comparsas. É uma grande idéia. Sim, quem sabe um dia poderemos até ganhar dinheiro com isso, arranjar alguns patrocinadores, interferir nas publicações locais, envolver outras faculdades, em suma, dominar o mundo, praguejava um dos elementos do staff, num misto de pragmatismo e sonho.

A reunião informal se prolongou por mais tempo que esperavam, ali, num dos quadrados de concreto da faculdade. Colunas começaram a ser definidas: “posso escrever sobre isso!”, “vou falar daquilo!”, “não, peraê, cinema e literatura todo mundo quer, né?!” Tá, tá, a gente faz um cronograma de publicação, podemos colocar mais de um texto sobre um mesmo filme, porque não?. E podemos falar de política na segunda, da faculdade na terça, do cinema na quarta, da literatura na quinta, publicar uns contos na sexta e ainda preparar textos especiais sobre grandes personalidades para os finais de semana.

As idéias pulsavam das seis, oito cabeças ali presentes. Sentiam-se geniais só de querer.

Samir servia como um mediador. Acatava uma sugestão. Passava outra pelo sufrágio do grupo. Ponderava opiniões e batia o martelo nos momentos de conflito - “ordem nessa putaria!”. Exercia de maneira informal o papel de editor da futura publicação e já vislumbrava sua fotinha, no departamento “quem somos”, com o rosto sério e o e a cabeça apoiada pelo braço na mesa, com o punho fechado ao queixo, no melhor modelito grandes jornalistas da história.
“Tá, mas e o nome?”, disse um. Dilema. Mil e uma idéias. Minutos tensos de discussão até que chegaram a uma conclusão. Massa!

Agora vamos lá, junta a grana para pagar o provedor, afinal, queremos um site. “Pega logo o de maior espaço, a parada vai ser multimídia, com links interligando imagens, entrevistas em áudio, e logo, logo, vídeos também”, exaltava-se Samir e eriçava os sofridos pelos da cabeça. “Põe nosso amigo da escola pra trabalhar, aí, meu. Enquanto isso vamos escrevendo. Adiantar uns textos, umas crônicas“. Tínhamos pressa de algo que não entendíamos como isso ainda não havia sido feito.

Passa-se uma semana da reunião orgasmática. “Tamo enrolado em galera, vamos botar gás nisso“. De um lado os preços e possibilidades. De outro os primeiros esboços do grande valor da rapaziada: o conteúdo das cabecinhas, quase todas cheias de pelo.

Passam-se mais semanas, passam-se meses. Pobre amigo da escola, ainda hoje tem dividas a receber do site que nunca chegou a entrar no ar. Aos poucos, o assunto passou a ser comentado apenas à boca miúda, vez ou outra alguém retomava a discussão, em rompantes de revolta. Mas nada se comparava à cobrança dos conhecidos, devido à propaganda insistente, mesmo com o projeto apenas flutuando pelas cabeças: “E aquela parada lá de vocêis? Sai ou não sai?”, não cansavam de perguntar. O projeto morreu pela boca. Um ou dois textos. Quatro ou cinco reuniões aqui e acolá. Algumas cervejas e bloqueios intelectuais. “Tô travado!”, dispara Samir. Baque na galera. Seria o fim?

Projetos pessoais foram levados adiante e por fim uma nova confluência: vamos fazer um blog, porra! Vamos parar de falar e criar essa merda logo. Podemos fazer isso, aquilo, aquilo outra e ainda manter isso aqui. De novo, pouco das idéias sobraram. O blog foi criado e ainda a passos lentos.

Uma das políticas iniciais, de ter colaboradores, transformou-se numa diretriz: sem eles, pouco haveria.

Samir, por sua vez, nunca escreveu um texto. Ou mesmo os comentou.

Pedro Palazzo Luccas
João Gabriel de Freitas

8 comments:

Anonymous said...

É, Samir abandonou o barco...

E as fotinhas, caro John, mesmo as já feitas, nunca foram a público.

André Luiz Neves said...

Sei como é. Criei um blog com uma colega destinado a mandar tudo se foder. Ninguem le, ninguem escreve. Me fodi.

Anonymous said...

Não sei quem é o Samir. Acho que não sou eu, pois, se eu não escrevo, pelo menos comento de vez em quando!!
Em todo caso, não achei legal o texto, com a exceção do título. Se as idéias silenciam, não há como escrever nada. Se foi isso que aconteceu, é compreensível, mas o texto transmite uma ironia, tem um tom de denúncia e certo ressentimento.
Enfim, não gostaria de ser o Samir...
Abraços.

Anonymous said...

Então é isso! Eu não captei a intenção. Valeu, Jhonny!

Lorena said...

eita, antes do texto o grupinho tinha se dissipado, mas ainda eram cúmplices. Depois dessa crônica do abandono, pode ser, hein?! RS
Rodrigo, repare bem, Samir lembra árabe, que lembra alguém que a gente conhece que não é você.

Anonymous said...

Rodrigão, silenciaram as idéias do Samir, meu caro. As nossas, mesmo que porcamente, continuam a reverberar.

Anonymous said...

parece que deu certo o desabafo, milhares de comentários e (o melhor!) mais trocentas postagens. é isso aí, acho que os colaboradores estavam precisando de incentivos.
outra: estou travado, me encaixo perfeitamente no título.

Anonymous said...

Obrigado amigos. Sinto-me lembrado e amado por vocês. A recíproca é verdadeira.