Wednesday, December 20, 2006

Para Lola

LITERATURA

No início os amores são Vinícius
são paixão
precipícios
são vertigem
e são vícios
são rosa da rosa
infinitos enquanto duram
enquanto dormem
enquanto duros

Maduros então
os amores são Drummond
são do mundo
do mundo mundo vasto mundo
são joão
teresa
raimundo
são pedras
são caminhos
são amados e malamados
olhos vidrados

No fim...
bem, no fim
(nota: não cheguei ao fim)
no fim acho que
os amores são Bandeira
são dores
tangos argentinos
são vida inteira
não foram
mas podia ter
sido

Vida noves fora zero?
sim! são fora e são zero
mas não! são nove e são quero

São e não são
infinito
caminho
zero

João Gabriel de Freitas

Sunday, December 17, 2006

Reflexão de domingo à tarde

Há muitas maneiras de fundamentar a igualdade dos homens, uma delas é: somos iguais em angústias, incertezas, instabilidade recorrente e ameaçadora. Somos animais pensantes que se diferenciam por pequenas sutilezas, meros detalhes que nunca são suficientes para contrariar a distribuição comum dos afetos e sentidos, das vontades, de consciência e inconsciência.

Não há novidade alguma nisso. Homens e mulheres, percebam ou não, experimentam a vida como um desafio, um projeto não requerido. Talvez um presente de um deus misterioso (e, caso ele exista, genial em sua indiscrição). Talvez um fardo para a realização de uma sentença, sem que esses animais pensantes tenham acesso ao seu próprio julgamento. Que fazem eles?

Uma possibilidade é recuar e preferir a inconstante plenitude do auto-controle, a submissão a uma mente organizadora dos fatos e dos desejos. Não que seja, invariavelmente, menos doloroso viver assim. Mas essa é a intenção honesta e declarada desse caminho: o desafio deve ser quase indolor, a sofreguidão do homem deve ser dissimulada. O movimento do mar, por maior que seja o oceano, não é o da tempestade, mas o de uma fresca manhã que traz as ondas, calmamente, ao encontro de pés descalços.

É possível, também, irritar-se com o desafio, transformando-se em um diabo traiçoeiro, um anti-herói da existência. Assim, cuspir fogo bruto contra os bons costumes, agredir a lealdade e assumir todos os vícios. O homem vivo se enterra e se move, rastejante, por baixo dos pés alheios, pronto para elevar-se e transgredir novamente a lei, sedento por derrubar os ídolos que abandonou em sua inebriante empreitada. Não se incomoda com a morte ou a má consciência. Em forma de tempestade, o desafio é honrado à altura, e a água salgada transborda, invadindo pulmões, ignorando prudência.

Mas há, ainda, uma terceira via. Nela, os homens visitam uma montanha que está sempre longe, um pouco acima do mar. Do alto, contemplam e riem, estupefatos, brincando maravilhosamente com toda a seriedade do mundo. Riem e se surpreendem, todas as manhãs, todas as tardes e noites, observando mais de perto os humores do sol e da lua, da secura do clima quente e da chuva rala, ora atacando, ora reconfortando a própria pele. Por curioso que seja, procuram ao mesmo tempo o auto-controle e o diabo traiçoeiro dentro de si. Equilibram-se, pois abandonam facilmente os próprios desejos, e valorizam com uma estranha ternura a falta de sentido do mundo.

A altura da montanha não é um divisor de mundos ou verdades, e, certamente, menos ainda de homens (iguais em angústias, incertezas, instabilidade recorrente e ameaçadora). É um lugar que eles procuram. Lá, não estão preocupados com muita coisa: apenas riem. Muitas vezes fatigados, é verdade, mas, acima de tudo, incomparavelmente satisfeitos com a beleza de tudo.


Rodrigo Cássio

Monday, December 04, 2006

Mal há bares em que vivo

Trago a vida em minhas mãos,
Malabares de vidro.
Mas quando me canso
Estes cristais
Mastigo.
E cuspo os cacos
Sangrando a vida
No que digo



Wertem Nunes Faleiro

Sunday, December 03, 2006

Um filme sobre o cuidado – Almodóvar e o universo feminino


O cuidar de si e o cuidar do outro são atos que se confundem quando a proximidade das pessoas as unifica, as transforma em uma relação, uma identidade firmada no mundo que compartilham e constroem. O novo filme de Pedro Almodóvar, Volver, explora o sentido desse “cuidado” no universo feminino, tema ao qual o diretor espanhol retorna belamente após o polêmico “Má Educação”, de 2004.

Volver é um filme repleto de personagens femininas. Raimunda, interpretada por Penélope Cruz, desdobra-se em empregos diferentes para cuidar do lar, da filha, a adolescente Paula, e ainda fazer-se presente na vida de sua tia Paula, idosa e com a saúde debilitada. Essa última tarefa Penélope divide com a irmã, a solitária Sole, proprietária de um salão de beleza ilegal.

Raimunda, ao contrário do que pode parecer, não é uma mulher solteira. Seu marido, Paco, é um companheiro e pai ausente que não resiste à fuga rápida pelo prazer, o álcool e o sexo, negligenciando a urgência de consolidar-se em um emprego e participar da vida familiar. O assassinato de Paco e a aparição do fantasma de Irene, mãe de Sole e Raimunda, morta cinco anos antes, compõem o mote de Volver.

As três gerações de mulheres que Almodóvar nos apresenta estão vinculadas não apenas pelo sangue familiar, mas pelos dilemas semelhantes, os desafios que o enfrentamento da realidade proporciona a cada uma delas. Raimunda reflete em sua conduta, de uma só vez, a tradição ocidental que fez do “cuidado” um atributo especialmente feminino, e a astúcia contemporânea da mulher que não se intimida diante do mundo, ampliando o significado do “cuidar” para além do “amparar”, e assumindo, assim, o “proteger” – mesmo que isso lhe custe abrir mão de sua vida pessoal.

A idéia de proteção está fartamente presente no filme. A volta de Irene ao mundo dos vivos ocorre em nome do bem-estar de tia Paula, culminando no reencontro com as filhas, também motivado pelo sentimento de identificação e unidade essencial (tão feminino quanto familiar) que sequer a morte poderia dissolver. A cena em que Irene, Paula, Sole e Raimunda viajam no mesmo carro, retornando à aldeia onde estão suas raízes, nos remete à viagem interior irrecusável que as torna iguais, em sensibilidade e em coragem.

Os homens são dispensáveis no universo de Volver. Almodóvar enfatiza as seqüências em que suas mulheres se esforçam fisicamente, seja arrumando engradados de bebidas ou unindo forças para deslocar um pesado freezer (a união delas, por razões diversas, é uma constante). Mais que dispensáveis, os homens são seres absolutamente estranhos aos dilemas enfrentados pelo sexo oposto. Apagados, são coadjuvantes de um mundo que não conseguem absorver por não sustentarem a mesma mistura de sensibilidade e força, de tradição e personalidade crítica diante do novo.

Mas Almodóvar não fundamenta seu filme em um discurso feminista radical, e aí está a grandeza de Volver. O aparente desmerecimento do homem é, na verdade, uma afirmação da mulher, uma apologia das possibilidades de realização da vida que a cultura ocasionou a elas, de uma forma especial (o que não quer dizer que todas as mulheres se dão conta dessas possibilidades). Ainda que dispensáveis, os homens possuem o seu lugar, deixando uma lacuna evidente à medida que o abandonam. E se o abandonam, é por não encontrarem a importância do “cuidado”, a dimensão feminina que ignoram em seu ser, condenando-se à incompletude.

Volver é uma obra que exemplifica fielmente o que é Almodóvar. A capacidade do diretor de manipular sentimentos e de compreender tópicos fundamentais da vida de hoje, cinematograficamente, estão presentes da primeira à última cena, transformando-o em um filme indispensável para os que admiram ou pretendem conhecer o diretor espanhol em sua melhor forma.


Rodrigo Cássio

Friday, December 01, 2006

Lanny Gordin - Psicodelia e transgressão made in Brazil


Quando se fala em tropicalismo vêm à mente as figuras de Caetano Veloso e Gilberto Gil, talvez Os Mutantes e [agora mais do que nunca] de Tom Zé. Raramente Jards Macalé, Rogério Duprat ou Lanny Gordin. O movimento tropicalista, no seu período áureo, de 1967 a pelo menos 1972, pautou-se, principalmente, pela experimentação através da sinergia de artistas de diversas áreas. Esquecer que o tropicalismo foi um movimento coletivo é compactuar com a idolatria do mainstream brasileiro - e o que foi a década de 1970 senão o decênio de ascensão dos grandes ídolos da MPB?

Relembrar o nome de Lanny Gordin é não só uma atitude anti-stabilishment como a reparação de uma injustiça. Uma das forças motrizes do tropicalismo, Lanny, participou dos principais [e melhores] discos daquele movimento. Sua guitarra transgrediu os limites impostos pelo padrão de música popular praticado até então ao fundir jazz e psicodelia de uma forma talvez nunca experimentada antes por estas terras. Solos siderais, distorções lancinantes, ambientações lisérgicas e dispersão do Ego eram [e são] alguns dos efeitos característicos criados pelo guitarrista (...).

1969 é uma data marcante para o tropicalismo, não só por ser o ano do exílio dos "cabeças" do movimento, quanto pela psicodelia incontida presente nos discos de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa daquele ano. Transgressão e psicodelia obtida pela sinergia das cabeças mais progressistas no campo da música popular no Brasil daquele momento. Poesia, política, lisergia, performance, marketing, música, teatro, cinema e artes plásticas. Estilhaços de uma bomba que explodiu no centro da cultura urbana brasileira. Resgatar o nome de Lanny Gordin é agir contra a centralização da cultura no Brasil, já que faz emergir das sombras diversos pontos de fuga e desdobramentos que a "história oficial" encobriu em nome de uma idolatria centralizadora.

A guitarra de Lanny muito mais que mero acompanhamento é uma voz que grita do fundo dos porões do inconsciente. Loucura e arte, sexualidade e violência. Transgressão. Forças que atravessam as músicas desintegrando-as. Levando-as ao limite. Fundindo todos os elementos num só, dando coerência ao mesmo tempo em que estilhaça qualquer tentativa discursiva totalizadora. Por agir como elemento dissonante e fragmentador da música, a guitarra de Lanny Gordin não pode ser encerrada em um modelo unidimensional. Sua música extravasa os limites e percorre diversas dimensões pouco experimentadas. É por isso que o resgate de seu nome [e de sua música] age como força reativa à centralização do stabelishment, age como um sopro de vida vindo das veredas mais obscuras da história contra a soberania de ídolos de mármore. Resgatá-lo é reafirmar o tropicalismo como um movimento coletivo transgressor, que batia de frente com certa forma de produção cultural reinante até então no Brasil, e, muito mais que isso, é lançar sobre a memória uma luz que, ao iluminar certos pontos obscuros da cultura brasileira, abre infinitas possibilidades.

Eduardo Pinheiro