
Quando se fala em tropicalismo vêm à mente as figuras de Caetano Veloso e Gilberto Gil, talvez Os Mutantes e [agora mais do que nunca] de Tom Zé. Raramente Jards Macalé, Rogério Duprat ou Lanny Gordin. O movimento tropicalista, no seu período áureo, de 1967 a pelo menos 1972, pautou-se, principalmente, pela experimentação através da sinergia de artistas de diversas áreas. Esquecer que o tropicalismo foi um movimento coletivo é compactuar com a idolatria do mainstream brasileiro - e o que foi a década de 1970 senão o decênio de ascensão dos grandes ídolos da MPB?
Relembrar o nome de Lanny Gordin é não só uma atitude anti-stabilishment como a reparação de uma injustiça. Uma das forças motrizes do tropicalismo, Lanny, participou dos principais [e melhores] discos daquele movimento. Sua guitarra transgrediu os limites impostos pelo padrão de música popular praticado até então ao fundir jazz e psicodelia de uma forma talvez nunca experimentada antes por estas terras. Solos siderais, distorções lancinantes, ambientações lisérgicas e dispersão do Ego eram [e são] alguns dos efeitos característicos criados pelo guitarrista (...).
1969 é uma data marcante para o tropicalismo, não só por ser o ano do exílio dos "cabeças" do movimento, quanto pela psicodelia incontida presente nos discos de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa daquele ano. Transgressão e psicodelia obtida pela sinergia das cabeças mais progressistas no campo da música popular no Brasil daquele momento. Poesia, política, lisergia, performance, marketing, música, teatro, cinema e artes plásticas. Estilhaços de uma bomba que explodiu no centro da cultura urbana brasileira. Resgatar o nome de Lanny Gordin é agir contra a centralização da cultura no Brasil, já que faz emergir das sombras diversos pontos de fuga e desdobramentos que a "história oficial" encobriu em nome de uma idolatria centralizadora.
A guitarra de Lanny muito mais que mero acompanhamento é uma voz que grita do fundo dos porões do inconsciente. Loucura e arte, sexualidade e violência. Transgressão. Forças que atravessam as músicas desintegrando-as. Levando-as ao limite. Fundindo todos os elementos num só, dando coerência ao mesmo tempo em que estilhaça qualquer tentativa discursiva totalizadora. Por agir como elemento dissonante e fragmentador da música, a guitarra de Lanny Gordin não pode ser encerrada em um modelo unidimensional. Sua música extravasa os limites e percorre diversas dimensões pouco experimentadas. É por isso que o resgate de seu nome [e de sua música] age como força reativa à centralização do stabelishment, age como um sopro de vida vindo das veredas mais obscuras da história contra a soberania de ídolos de mármore. Resgatá-lo é reafirmar o tropicalismo como um movimento coletivo transgressor, que batia de frente com certa forma de produção cultural reinante até então no Brasil, e, muito mais que isso, é lançar sobre a memória uma luz que, ao iluminar certos pontos obscuros da cultura brasileira, abre infinitas possibilidades.
Eduardo Pinheiro