O hype agora é o passado. Nunca esteve tão em alta o culto aos grupos/movimentos/sonoridades de certo passado recente (principalmente, a "era de ouro" da música pop - décadas de 60 e 70 e adjacências). Com a internet, a música pop, que sempre viveu de retroalimentação, agora, mais do que nunca, é cíclica - vive de fases; entre a busca de referências em décadas anteriores e esparsos [e cada vez mais raros] saltos de inovação.
Para constatar isso é simples; basta uma rápida zapeada pela Mtv, ou mesmo cinco minutos de audição da rádio mais “moderninha” da cidade. Pronto: sacou que as bandinhas mais in estão reciclando os anos 80? E os dinossauros que vivem de um passado glorioso? Talvez tenham ouvido uma voz feminina com trejeitos de black music dos anos 60/70, não?! Algo como a nova "Aretha Franklin branca". Uau! Ainda, basta uma rápida passada pelos lançamentos do último trimeste que salta aos ouvidos três pérolas dessa retro-reciclagem-remix-cool dos anos 00; o cd Back to Black de Amy Winehouse, o mais novo da queridinha Joss Stone, Introducing Joss Stone, e, para misturarmos Jesus com Genésio, Momento de Bebel Gilberto.
O primeiro, da polêmica Amy Winehouse, impõe sua potência. Voz poderosa, letras ácidas e um groove cortante, estilhaçam qualquer tentativa de desqualificá-la por suas constantes aparições
Joss Stone é um caso sério. A bonitinha causou furor com sua aparição repentina há alguns anos, sendo comparada com as grandes divas do soul e r&b, e tudo o mais. Nada mal para uma garota na época com 16 anos. Entretanto, esse novo disco, Introducing Joss Stone, é, com a desculpa do [mais um!] lugar comum, sem sal. Ao que parece, Joss Stone, ou seus produtores (sabe-se lá), tinha a intenção de sair das comparações e se mostrar com uma personalidade vocal/sonora própria. Conseguiu o efeito oposto, penso. A participação de Lauryn Hill é o ponto alto do disco, mas a garota não consegue segurar a onda sozinha; perde-se entre a tentativa de se mostrar diferente e manter as vendagens anteriores. Parece-me que essa tentativa de equilíbrio deixou sua música sem personalidade - as rádios adorarão.
Bebel Gilberto, mais afeita a Nova York à Londres, produz um disco que destoa das duas artistas citadas. Primeiro, por que o universo bretão é processado de uma forma diferente; já que não é inglesa ou norte-americana, mas brasileira. Depois, por que suas referências são outras. Referências à música negra aqui são, se as têm, indiretas; o passado vem em forma de bossa nova e, todos sabem, bossa nova é um samba “higienizado”. A bossa nova-lounge de Bebel, nesse disco, continua cool, mas não deixa de ter suas afetações. Quem espera por algo novo pode se decepcionar, mas isso não quer dizer que o cd é ruim. Pelo contrário, o ambiente eletrônico e a batida bossa nova harmonizam-se bem, as letras e a voz da cantora fecham bem o clima fim-de-tarde que Bebel deseja. Às vezes, parece estar um pouco distante do universo musical nativo atual (que nem a presença da boa composição, Tranquilo, de Kassin, com participação da Orquestra Imperial, consegue mudar), mas talvez seja essa condição de desenraizamento (sua música não pertence nem a Nova York nem ao Brasil) que fazem seu "passadismo" soar mais como uma reverência do que como mero oportunismo.
Se Amy Winehouse consegue emular o soul dos anos 60/70 de um modo autêntico; Joss Stone prefere afastar-se dele camuflando-se de moderninha, caindo, assim, na armadilha do estabelishment do R&B/Hip Hop/ Pop atual. Já Bebel Gilberto, antípoda latino-americana das inglesas, consegue trazer com dignidade o passado para sua música, com o perigo de afogar-se em clichês, é certo, mas dando um leve sopro de renovação.
O "passadismo" atual é sintomático de uma era de excesso[s] de [da] informação. Talvez seja cedo demais para afirmar qualquer coisa sobre os efeitos da internet na música pop[ular], mas com certeza podemos dizer que ela alarga as referências em detrimento do estreitamento das distâncias das diferentes “aldeias” musicais; produzindo, por um lado, fluxos de aparente falta de criatividade – favorecendo remixes e releituras –; por outro lado, favorecendo o trânsito de informações musicais, a enriquecer assim a biodiversidade musical. Os três casos acima citados expressam ora uma, ora outra tendência; a história da música pop[ular], desterritorializa-se no ambiente veloz e plural da internet, tornando-se dócil ao toque daqueles que a souberem manipular... e o futuro a esses pertence.
por Carlos Eduardo Pinheiro
6 comments:
O hype sempre vai ser o hype não é mesmo! Hehehehe! Imediatista, cool - mas a partir do momento que também fatura o mercado. Mas sei lá, essas minas sempre me pareceram sempre limpinhas demais, mesmo quando costumam se envolver em escândalos. Funk e soul de escolhinha! É como o Júnior tocando bateria na bandinha Soul Funk! Mas tudo tem sua utilidade. Vai lá que sirva de trampolim para quem não conhece porra nenhuma e acabe conhecendo Aretha pelo link com as mocinhas. Mas se alguém já conhece Aretha, pra quê perder tempo ouvindo isso?
Mas, João, o pop não é aquela penumbra que envolve a matriz e a cópia? (Andy Wahrol que o diga!) E Beatles não é a matriz de toda cópia, sendo eles mesmos (em diversos níveis) cópia? A Motown, a gravadora mais cool do soul, não criou aquela sonoridade que, mesmo variada, repete a si mesmo? Então... a internet leva isso a níveis nunca antes imaginados (ou não?). Bem, eu acho que sim. Falar em legitimidade na era da cópia é um pouco de loucura. Não temos como nos livrar do eterno-retorno, meu caro. Ou temos?
Com mais argumentos a tese é até defensável, mas não percebo, até aqui, que a internet atue como um fator que eleva os efeitos da cultura pop, no sentido da repetição do mesmo. Acho que o papel dela é de aumentar a troca de informações, e aí a repetição se torna mais evidente. Acaba parecendo que há mais repetição, mas não há; o que há é mais evidência do que é o pop, de como ele funciona.
Agora, sobre a última pergunta do Carlos: Eu acho que é possível, sim, ficar à parte do "eterno-retorno" que manda no mundo pop. Basta não ser pop. Esses dias eu vi no You Tube uns vídeos clássicos do Hermeto Pascoal, tocando no festival de Montreux. Baixa lá! Não existe argumento melhor a favor da originalidade, ou da legitimidade, como você colocou.
Obrigado pela sugestão, Rodrigo, gosto de Hermeto Pascoal e já vi esse video, mas o caso aqui é outro. Veja bem, não estou confundindo originalidade com legitimidade - originalidade é plausível mesmo em ambientes de repetições extremas. Meu comentário acima dizia sobre a questão de se esperar legitimidade, no caso, da Aretha Franklin; como se ela representasse a "pureza" ou a "raiz" de determinada manifestação musical e que os ouvintes deveriam prestar reverência a essa emanação de "pureza". É nesse sentido que coloco a repetição como ponto central da música pop em geral.
Quanto à questão da internet:
De fato, posso ter me precipitado em certo sentido, ou mesmo usado exemplos menos visíveis desse efeito nesse comentário acima; talvez se deslocarmos a discussão para como se manifesta a audição e distribuição de música pop na internet podemos visualizar melhor esses efeitos, fazendo a partir daí uma busca por, sei lá, feedbacks ouvinte/músico. Ou não. Seria um trabalho mais dispendioso e, talvez, infrutífero. Mas repito o que escrevi no meu texto: "Talvez seja cedo demais para afirmar qualquer coisa sobre os efeitos da internet na música pop[ular], mas com certeza podemos dizer que ela alarga as referências em detrimento do estreitamento das distâncias das diferentes “aldeias” musicais; produzindo, por um lado, fluxos de aparente falta de criatividade – favorecendo remixes e releituras –; por outro lado, favorecendo o trânsito de informações musicais, a enriquecer assim a biodiversidade musical."
;)
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