Uma vez tentou jogar no time da capital, mas não conseguiu porque nos testes o colocaram faltando pouco tempo para terminar a partida. “Não vou entrar faltando cinco minutos, vou embora”. Nunca mais quis ir tentar fazer a vida. Preferiu administrar seu poder regional.
Trabalhava em um supermercado e gostava do que fazia, pois andava de bicicleta por toda a cidade, entregando as compras da clientela. Era seu exercício diário.
Em sua cidade tinha uma equipe que era considerada a melhor da região. O time do camisa 8 estava a quinze jogos invictos e esse repertório garantia o respaldo para conseguir o transporte da prefeitura para jogar em outras cidades e a liberação do campo municipal para os jogos de volta.
Era o líder. Em véspera de jogo não bebia e nem aceitava jogador de ressaca. Teve um lateral, filho de latifundiário, que nunca mais jogou no time nem com o pedido do pai.
Com o futebol em alta, na região do Ribeirão Lagoinha, o prefeito de uma cidade próxima resolveu organizar um campeonato. Ainda mais no ano de 1976 onde jovens tinham pouco o que fazer. Indicado ao cargo pelo governador, o prefeito era apaixonado por futebol e sempre dizia que da sua cidade sairia o novo rei dos gramados.
Mandou arrumar o campo, pintar o alambrado, lavar os vestiários e erguer um palanque para a solenidade de abertura. Queria tudo muito bem feito, pois convidaria seu governador, deputados e quem sabe um representante da presidência.
Oito times se inscreveram, e lá estava o mais conhecido jogador com o melhor time da redondeza convidado especialmente pelos organizadores. Mas uma coisa faltava para a equipe. Um nome. Nunca tinha pensado nisso e agora com o campeonato seria necessário escolher um.
Estrela não, Fortal nem, Íbis nunca. Então lembrou que um dia tinha escutado de um locutor de rádio a palavra Vanguarda, repetida muitas vezes por causa de um grupo musical que não se recorda. Esse seria o nome: Vanguarda da Barra.
Conseguiu apoio, ganhou uniforme, a cidade toda estava torcendo. Gostaram do nome. No sorteio dos jogos iria abrir o torneio. O time tinha que dar espetáculo.
Saíram às sete horas da manhã de um domingo limpo, todos em comitiva, umas 200 pessoas. No ônibus municipal somente o Vanguarda e comissão técnica. No total um massagista e roupeiro amigo que sempre acompanhava, três assistentes, 21 jogadores, cinco seguranças torcedores e o professor de educação física que desta vez se disponibilizou a participar.
“Concentração pessoal, concentração. Não podemos bobear”.
Para os demais torcedores, à distância de dez quilômetros não era muita. Bicicletas, animais, caminhões até gente que saiu mais cedo porque não tinha carona. Ao chegar à cidade perceberam a importância do torneio. A cidade sede estava polvorosa e os mais fanáticos receberam muito mal a comitiva. A polícia teve que intervir.
Palanque armado, banda tocando, muita gente esperando e preliminar com o juvenil. “Calma, ninguém desce”. Só saíram do ônibus quando tiveram a certeza que iriam para o vestiário.
Enquanto isso do lado de fora o prefeito, todo satisfeito, fica ainda mais feliz com a chegada das autoridades. O governador, deputados, o representante do Presidente e muita Polícia do Exército. Depois dos pronunciamentos os times entram em campo. A banda toca o hino nacional. As autoridades começam a descer do palanque. Muita seriedade, as fardas impõem respeito.
O locutor anuncia: “Chegou à hora, a atenção é para a bola, com vocês Atlético Campense e Vanguarda da Barra”. Na mesma hora o representante da Presidência se volta para quem falava. Faz cara feia. As pessoas nem percebem já estão de olho no gramado.
O Burocrata com seu típico uniforme do exército brasileiro após dialogar com um vereador forçador, chama o subordinado e aponta que é aquele, o camisa 8. Imediatamente o militar vai até aos outros soldados. Invasão de campo.
O Vanguarda da Barra está em círculo fechando os últimos detalhes para o início da partida. Sempre fazia reunião dentro do campo para incentivar e nem deu tempo para o grito de guerra final.
O melhor jogador da região é retirado do gramado e o jogo proibido. Quem escutou, conta que os fardados repetiam: “com esse nome não, com esse nome não!” A festa acaba, todos se vão. O melhor do time com o nome proibido é levado para a capital. Dois dias depois o dono da camisa 8 volta para a sua cidade. Não fala nada, e ninguém pergunta nada. Volta ao trabalho, se casa, para de fazer entregas e nunca mais volta aos gramados.
Vasconcelos Neto
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