Saturday, April 29, 2006
Quadros do absurdo
E como se a vida se mostrasse em janelas. É como se estas pudessem substituir meus olhos. E mais! É como se toda uma trajetória linear, em seu transcorrer no tempo, pudesse ser narrada sem palavras, sem seqüências, mas em uma só imagem. Digo isso por ver em uma das janelas ou em um de meus olhos, a infância, ainda menina, sozinha em sua curiosidade, mas já se esforçando para conhecer o futuro. Com meu outro olho, ou talvez outra janela, vejo longe, nos confins da idade, a madureza, agora já acompanhada em sua aventura. A curiosidade de ver um navio ficou para trás e o que resta agora são boas lembranças e nostalgias dos cruzeiros que as levaram, infância e madureza, a se tornarem a mesma pessoa.
Wertem Nunes Faleiro
Saturday, April 15, 2006
Não esqueça sua matula
Eu e minha companheira resolvemos curtir uma noite romântica. Seria um programa básico, barato para os atuais níveis de desenvolvimento monetário de dois vagamundos - cinema e pizzaria. Coisa simples, jeca até. Cinema na quarta-feira é mais barato que sapatilha de plástico na Star's Chic do Centro. Mas não é que ao entrar na sala de cinema me dei conta da falha que havia cometido?! - esqueci a matula! Matula, segundo o dicionário Aurério, é sinônimo de merenda. Explico, deparamos, eu e minha companheira, com uma miríade de cheiros e cores esvoaçantes: pizzas, mc-lanches-feliz, pretzels, chocolates, sopas, só faltou o arroz de carreteiro (na próxima não esqueço)... Pipoca não se via. Acho que o última casal (juro que não sabia que cinema na quarta-feira é programa de namorados) que apareceu ali com um tradicional saco de pipocas e refrigerante foi vaiado, depois apontado na rua, talvez até hoje não saiam mais de casa com vergonha de não estarem por dentro da última coleção outono-inverno dos lanches na sala de cinema.
Pois bem, logo após meus inesperados comensais estarem devidamente saciados com os mais diferentes sabores da imaginativa indústria de fast-food ao som de violinos célticos (!) a luz da sala de cinema se apaga e o filme começa. O herói poderia bem ser um vilão dos filmes do James Bond, porém, como diria minha avó, o mundo está mesmo de ponta cabeça, o herói quer destruir o mundo. E a Fernanda, sabe a Fernanda namorada do Joãozinho Cabeça filho do seu Antenor lá de Mauá?! Anh?! Peraí, o filme se passa na Inglaterra. Pois é, ela vai ter um filho... Outra descoberta, já devidamente anotada, sala de cinema é o novo local para se colocar as fofocas em dias. Muito legal, na próxima levo minha matula e me abasteço antes com anedotas da internet. Tapei meus ouvidos e tentei me concentrar no herói-vilão.
Findo o filme tentamos sair em vão pela mesma porta na qual entramos no shopping (não, meu passeio romântico não acabou). Para a nossa surpresa o tal paraíso da classe média já estava fechado, só havia trabalhadores construindo algo indefinido. Não é que o shopping sem as crianças gordinhas, as adolescentes pintadas e os casais recém-casados se parece mais com uma locação do filme O Brinquedo Assassino? Ao tentarmos achar uma saída daquele labirinto pós-moderno senti uma estranha sensação de que um boneco bizarro me perseguia com um machado... É, quarta-feira tem dessas coisas.
Ainda tem a pizzaria. A idéia era fazer um programa banal, cinema + pizza, lembra?! Pois bem, quando chegamos na pizzaria, para a nossa alegria, a encontramos ainda aberta, rumamos contentes para a mesa escolhida já imaginando o pedaço de presunto cru com azeite de terceira qualidade ativando nossas papilas gustativas, quando, não mais que de repente, o garçom nos barra a entrada. Era meia noite e um. A nossa carruagem virou abóbora e, o pior!, nem tínhamos um príncipe encantado. No final das contas terminamos a noite como havíamos começado, fast-food + anedotas: comemos uma lasanha da Sadia ouvindo as piadas cretinas do Jô. Como nos alerta o poeta: de tudo fica um pouco. E ficou. Pelos menos uma coisa aprendi com isso tudo, na próxima não esqueço minha matula.
Carlos Eduardo Pinheiro
Wednesday, April 12, 2006
CATATAU
Nem curtido está, e já comendo carne. Santo Deus! Teu corpo entre os dentes, colada ao céu da boca, num gosto insosso: NÃO MORDA QUE SANGRA!! Que sejas ao menos um poço mais humano e não ateu. Mas valha-me de descontos. Pequenos escorregões, escoreações, e ao menos uma brechinha para o erro.
“Quis voar tanto mais quantas penas tinha. Fez-se em plumas, a desfeita. Persuadiram a outros elementos ela convir-se. Tempo? “
Pra quê tanto se não me agüento. Se já não me quero. Divorciando de mim mesmo, em qualquer esquina lhe ofereço o trago e peço carona. Levo apenas as cinzas nas mãos, em solavancos amnésicos, brumas em olhos de noites navegadas.
“ Quem lhe garantiu que do lado de cá ia haver o que se esperava do lado de lá! Cortá-la! E com ela a cabeça que abre a porta, a carótida que a escolta e, segundo a oitiva que fui o primeiro a oitavar, 2 X 8 = vide verso! Lá onde o céu é pregado com tabuinhas da lei do cão...”
Crucificção: uma sonata insone dissecada a golpes de facão.
Porco-chanchada: seu olhinho se oferecendo mesmo quando diz não!
Sunday, April 09, 2006
Um quarto da vida
“O tédio se derrama”
em todas as direções
e como flagelo
é incenso nos sentidos
ou fragmento de opções?”
Pio Vargas
O que fazer quando nossos ímpetos mais fortes e inquietantes insistem em permanecer estanques e estáticos como se não quisessem mais nos instigar a viver? Em meu quarto tudo parece penetrante. Menos eu. Para que tantas paredes brancas? Dão-me a sensação de que o cubo limitado em que vivo é na verdade vasto, infinito, e isto me causa frustração. Na prateleira mal cuidada, tantos livros e CDs, mas nenhum, conta ou canta meus sentimentos, apenas amenizam meus temores, e adiam um pouco mais meu suicídio mental.
O que pensar quando se tenta, e não se consegue pensar? Quando suas sensações mais profundas só conseguem se ater aos inúmeros grãos de poeira que pairam leves pelo ar?
Quando seus músculos parecem ter desistido de viver, se recusam a executar o mais ínfimo movimento?
Olho para a janela e ponho em risco minha noção de liberdade. Vejo através dela, o mundo. E por isso deveria ser-lhe grato. E, no entanto o que lhe tenho é repugnação, por todo dia e a todo o momento, ser uma prova incontestável de que vivo separado do mundo lá fora. Ela é meu espelho e me mostra encarcerado em meu próprio dentro.Ela é meu espelho, mas só me revela o que ainda não possuo.
O que dizer do teto? Este vilão que me priva das estrelas, que me impede o contato com a lua. Pior, ele pode ser apenas a divisa entre eu e os outros cubículos que moram em cima do meu. Outras pessoas que há essa hora devem estar assistindo a propagandas, ou dormindo em quartos separados, para não serem incomodadas pelos problemas do outro.
E o que dizer de mim mesmo? Que receio abrir a porta e gritar que existo. Não tenho tias, irmãos, qualquer animal ou objeto de estimação. Eu que quero correr por aí sem destino ou preocupação, mas insisto sem ficar arrumando as bagagens.
Em fim, o que dizer desta minha reflexão, que pode, em vida, ser a última, pois posso não mais agüentar e por um ponto final a esta página de inquietude. O que dizer deste singelo apelo ao mundo, que será lido por ninguém, e se o for, Será em seguida amassado, reciclado e transformado em folha de algum talão de cheques.
Será que tudo isto que sinto é deveras verdadeiro? Lúcido? Ou será fruto de mais uma embriagues, causada pela solidão e angústia de um quarto vazio num dia de domingo?
Wertem Nunes Faleiro