Sunday, April 09, 2006

Um quarto da vida

“O tédio se derrama”

em todas as direções

e como flagelo

é incenso nos sentidos

ou fragmento de opções?”

Pio Vargas

O que fazer quando nossos ímpetos mais fortes e inquietantes insistem em permanecer estanques e estáticos como se não quisessem mais nos instigar a viver? Em meu quarto tudo parece penetrante. Menos eu. Para que tantas paredes brancas? Dão-me a sensação de que o cubo limitado em que vivo é na verdade vasto, infinito, e isto me causa frustração. Na prateleira mal cuidada, tantos livros e CDs, mas nenhum, conta ou canta meus sentimentos, apenas amenizam meus temores, e adiam um pouco mais meu suicídio mental.

O que pensar quando se tenta, e não se consegue pensar? Quando suas sensações mais profundas só conseguem se ater aos inúmeros grãos de poeira que pairam leves pelo ar?

Quando seus músculos parecem ter desistido de viver, se recusam a executar o mais ínfimo movimento?

Olho para a janela e ponho em risco minha noção de liberdade. Vejo através dela, o mundo. E por isso deveria ser-lhe grato. E, no entanto o que lhe tenho é repugnação, por todo dia e a todo o momento, ser uma prova incontestável de que vivo separado do mundo lá fora. Ela é meu espelho e me mostra encarcerado em meu próprio dentro.Ela é meu espelho, mas só me revela o que ainda não possuo.

O que dizer do teto? Este vilão que me priva das estrelas, que me impede o contato com a lua. Pior, ele pode ser apenas a divisa entre eu e os outros cubículos que moram em cima do meu. Outras pessoas que há essa hora devem estar assistindo a propagandas, ou dormindo em quartos separados, para não serem incomodadas pelos problemas do outro.

E o que dizer de mim mesmo? Que receio abrir a porta e gritar que existo. Não tenho tias, irmãos, qualquer animal ou objeto de estimação. Eu que quero correr por aí sem destino ou preocupação, mas insisto sem ficar arrumando as bagagens.

Em fim, o que dizer desta minha reflexão, que pode, em vida, ser a última, pois posso não mais agüentar e por um ponto final a esta página de inquietude. O que dizer deste singelo apelo ao mundo, que será lido por ninguém, e se o for, Será em seguida amassado, reciclado e transformado em folha de algum talão de cheques.

Será que tudo isto que sinto é deveras verdadeiro? Lúcido? Ou será fruto de mais uma embriagues, causada pela solidão e angústia de um quarto vazio num dia de domingo?

Wertem Nunes Faleiro

3 comments:

Anonymous said...

Um bom texto como o seu é estimulante!

Pedro Palazzo Luccas said...

Então chegarás aos 84? Cavalices afins...

Anonymous said...

Muito bom mesmo esse texto!