Wednesday, August 08, 2007

Balbúcios


Constância,
para se fazer um boi


Pose
para que haja um gato


O amanhecer,
para que exista o galo


"Que século, meu Deus! disseram
os ratos."*


João Gabriel de Freitas
*lendo Orides Fontela

Thursday, July 26, 2007

Cabeça de gato

Os tênis pareciam se recusarem a tocar o asfalto quente, passava das duas horas e o sol, esse ignorava o verde e transformava a pele nua em pele morta e tostada. Se pudesse usar o verbo, provavelmente diria: Usem filtro solar! O ônibus não demorou a aparecer, mas desta vez pensei que não chegaria e se chegasse passaria sem parar, com a idéia latente de que fui enganado pelo motorista, entrei no ônibus e tive certeza que ele ria, um riso mental, mas eu podia sentir o hálito quente do sorriso mudo que ele insistia em pensar. Ele apenas levantou o braço e solicitou meu cartão escolar, como se quisesse me ver mais de perto, precisou olhar a poucos centímetros e subitamente perguntou o nome da minha mãe, não entendi e girei a roleta.

Antes de me sentar num banco duplo, pensei se minha mãe conhecia um motorista de ônibus, logo descartei a hipótese, pois ela sempre fez amizade com os entregadores do supermercado, assim, evitaria que eles comessem os biscoitos ou tomassem um de seus iogurtes de mel enquanto carregava as compras. Meu pensamento foi estuprado por uma senhora, que tem a cabeça desproporcional ao seu corpo. Ela queria se sentar ao lado da janela. Permiti que passasse e fiquei em pé. Ela abriu a janela totalmente e o vento levantava seus cabelos de modo que sua cabeça parecia menor, seus olhos me olhavam indiscretamente, eram olhos grandes numa cabeça pequena. Ela se acomodou no banco como num convite para que eu me posicionasse ao lado dela. O espaço que sobrava era insuficiente e acabei por ficar com metade do corpo exposto no corredor e podia ver o motorista olhar insistentemente no retrovisor interno.

A mulher de olhos grandes se mexeu novamente, seus olhos me lembravam peixe. Eu podia não mais comer peixe, ela tinha cheiro de peixe e tentava encontrar a melhor posição no banco. Por um instante titubeei entre o motorista e minha companheira de viajem. Tinha medo de pensar que o motorista pensava que eu viajava com minha mãe. Abri um livro, mas não consegui me concentrar na leitura, era impossível ler, o calor que emanava do corpo gordo não era o calor que queria sentir. Não dava para trocar de banco, só os de tecido vermelho estavam desocupados, fiquei com o livro aberto fingindo ler e percebi que já não era alvo daquele olhar cirúrgico, algo o chamou para se, e não tardou até que uma criatura, supostamente fêmea, se aproximou me deixando meio surdo com um bom dia simultâneo e agudo.

As duas conversavam animadamente e o meu livro nada dizia, pensei em usar tampão nos ouvidos, mas, o motorista se recusaria a parar em frente à farmácia e além do mais, seria muito oportuno para a retardatalho ocupar meu lugar, senti ciúme e resolvi ficar ali, entre as duas com o livro a sentir pena de mim. O balançar do coletivo ditava o ritmo da conversa, nada mais inútil que ouvir segredos de quem não se conhece, mas elas insistiam em alto volume com um timbre agudo e seco como minha boca. Precisava de água, talvez nadar e quem sabe ela viria a me seguir e de repente se perderiam numa das trilhas que eu criava em minha mente. Em vários momentos subi em rochas muito altas e a mulher de cabeça pequena chegava com as mãos sangrando e me pedia água.

O ônibus parava em todas as estações e a paisagem não mudava, sempre o mesmo cenário, cheguei a tatear a mochila e os bolsos, infelizmente o transporte de explosivo não é permitido. Entrou um evangélico, todo mundo notou, o motorista não gostou, mas não protestou. Talvez ele permaneça em silêncio pra ouvir os segredos mais sórdidos e quem sabe reservar um lugar no céu para algumas almas de passageiros degenerados, sei por convicção que os epiléticos têm lugar garantido. Senti meu pequeno espaço sendo invadido por um par de peitos avantajados. Podia sentir o pulsar de um coração sob eles, mas uma blusa rosa de feira o segurava. Entre os peitos algumas notas em forma de canudinho pediam para serem socorridas, as olhei com indiferença.

Um canudinho era o instrumento que eu precisava. A mulher que estava de pé, sendo esmagada pelos peitos que aquecia meu rosto foi mais ágil, com um movimento ligeiro surrupiou o canudinho e com ele tratou de transferir cada palavra diretamente ao ouvido da mulher ao lado da janela. Ela tinha a orelha peluda, senti asco da orelha flácida e fiquei assustado com a violência que as palavras eram enviadas através do canudo avermelhado. O canudo estava a alguns centímetros dos meus olhos, eu podia ver a metade das palavras atingirem violentamente o aparelho auditivo e a outra metade do que era dito escapava e inundava o ônibus com sons confusos e errantes.

Nada pior do que as roupas sujas de palavras, o motorista tinha palavras pela metade grudadas no pára-brisa e o restante dos ocupantes gritava palavras mudas, sem brilho e descontinuas. Levantei-me calmamente, era preciso esquivar de meias palavras, pois se uma me acerta em cheio poderia decepar um dos meus braços, eu só pensava em descer do veículo, tinha meias palavras grudadas nos sapatos do motorista, metades inteiras atingiam a todos simultaneamente e a cabeça pequena aumentava de tamanho, já ocupava a metade do banco que outrora eu ocupava, não me preocupei com esse detalhe era preciso retirar uma vírgula confusa entre o motorista e o evangélico.

Alguém me pediu desculpa, desculpei a contra gosto, não encontrei referencia para o pedido insolente, achei educado e sinalizei para descer. A saída estava a um passo e dois degraus, não era possível ver a calçada, talvez não tivesse mais calçamento na cidade e resolvi continuar a viagem. Ainda restavam algumas moedas no bolso, dava pra tomar um pingado, talvez, pagasse um pinga para o evangélico, ele me parece um pau d’água recém convertido e não seria difícil convencê-lo que o motorista é amante da mulher com a cabeça pequena.

Voltei ao lugar de antes, prensado pelos peitos gigantes e a cabeça inflada não foi possível executar o plano de me sentar, as últimas palavras escorriam pelo canudinho e o temor de que o silêncio poderia provocar um levante contra a ordem passou a me confundir, não me lembrava qual era o meu destino e o outro lado da cidade já era uma realidade, senti pavor em ficar só com o motorista, ele voltaria a me perguntar o nome da minha mãe e eu poderia não responder. Esperei o ônibus parar e desci rápido e comecei a correr e só parei quatro quadras depois.

Tomei fôlego e tentei reconhecer a rua, não havia rua, eram apenas espaços vazios e pessoas de um lado pro outro, o fim do mundo, uma parte da cidade que não a compunha, mas era ela ao avesso e todas as pessoas tinham rostos conhecidos e entre eles pude identificar o evangélico, reconheço um evangélico à distância. Ele se aproximou com cuidado. O tom de preocupação revelava que ele diria algo e sem que eu o permitisse falar, gritou, um grito irritante e desordenado, era preciso voltar até ao transporte e convencer o motorista de que a mulher de cabeça pequena, agora esmagada na porta do ônibus, não era minha mãe.


Sidi Leite

Wednesday, July 18, 2007

Camisa 8

Ele adorava futebol. Ouviu toda a copa de 70 e só assistiu a final porque um conterrâneo que tinha televisão o levou pra sua casa. Espelhava-se em todos, só que Tostão era o favorito. Por isso era meio de campo ponta de lança, com a camisa 8, igual o ídolo. “Essa é a melhor posição, pega na bola o tempo todo”. Sempre dizia nas rodas de debate futebolístico.

Uma vez tentou jogar no time da capital, mas não conseguiu porque nos testes o colocaram faltando pouco tempo para terminar a partida. “Não vou entrar faltando cinco minutos, vou embora”. Nunca mais quis ir tentar fazer a vida. Preferiu administrar seu poder regional.
Trabalhava em um supermercado e gostava do que fazia, pois andava de bicicleta por toda a cidade, entregando as compras da clientela. Era seu exercício diário.

Em sua cidade tinha uma equipe que era considerada a melhor da região. O time do camisa 8 estava a quinze jogos invictos e esse repertório garantia o respaldo para conseguir o transporte da prefeitura para jogar em outras cidades e a liberação do campo municipal para os jogos de volta.

Era o líder. Em véspera de jogo não bebia e nem aceitava jogador de ressaca. Teve um lateral, filho de latifundiário, que nunca mais jogou no time nem com o pedido do pai.
Com o futebol em alta, na região do Ribeirão Lagoinha, o prefeito de uma cidade próxima resolveu organizar um campeonato. Ainda mais no ano de 1976 onde jovens tinham pouco o que fazer. Indicado ao cargo pelo governador, o prefeito era apaixonado por futebol e sempre dizia que da sua cidade sairia o novo rei dos gramados.

Mandou arrumar o campo, pintar o alambrado, lavar os vestiários e erguer um palanque para a solenidade de abertura. Queria tudo muito bem feito, pois convidaria seu governador, deputados e quem sabe um representante da presidência.

Oito times se inscreveram, e lá estava o mais conhecido jogador com o melhor time da redondeza convidado especialmente pelos organizadores. Mas uma coisa faltava para a equipe. Um nome. Nunca tinha pensado nisso e agora com o campeonato seria necessário escolher um.
Estrela não, Fortal nem, Íbis nunca. Então lembrou que um dia tinha escutado de um locutor de rádio a palavra Vanguarda, repetida muitas vezes por causa de um grupo musical que não se recorda. Esse seria o nome: Vanguarda da Barra.

Conseguiu apoio, ganhou uniforme, a cidade toda estava torcendo. Gostaram do nome. No sorteio dos jogos iria abrir o torneio. O time tinha que dar espetáculo.

Saíram às sete horas da manhã de um domingo limpo, todos em comitiva, umas 200 pessoas. No ônibus municipal somente o Vanguarda e comissão técnica. No total um massagista e roupeiro amigo que sempre acompanhava, três assistentes, 21 jogadores, cinco seguranças torcedores e o professor de educação física que desta vez se disponibilizou a participar.

“Concentração pessoal, concentração. Não podemos bobear”.

Para os demais torcedores, à distância de dez quilômetros não era muita. Bicicletas, animais, caminhões até gente que saiu mais cedo porque não tinha carona. Ao chegar à cidade perceberam a importância do torneio. A cidade sede estava polvorosa e os mais fanáticos receberam muito mal a comitiva. A polícia teve que intervir.

Palanque armado, banda tocando, muita gente esperando e preliminar com o juvenil. “Calma, ninguém desce”. Só saíram do ônibus quando tiveram a certeza que iriam para o vestiário.
Enquanto isso do lado de fora o prefeito, todo satisfeito, fica ainda mais feliz com a chegada das autoridades. O governador, deputados, o representante do Presidente e muita Polícia do Exército. Depois dos pronunciamentos os times entram em campo. A banda toca o hino nacional. As autoridades começam a descer do palanque. Muita seriedade, as fardas impõem respeito.

O locutor anuncia: “Chegou à hora, a atenção é para a bola, com vocês Atlético Campense e Vanguarda da Barra”. Na mesma hora o representante da Presidência se volta para quem falava. Faz cara feia. As pessoas nem percebem já estão de olho no gramado.

O Burocrata com seu típico uniforme do exército brasileiro após dialogar com um vereador forçador, chama o subordinado e aponta que é aquele, o camisa 8. Imediatamente o militar vai até aos outros soldados. Invasão de campo.
O Vanguarda da Barra está em círculo fechando os últimos detalhes para o início da partida. Sempre fazia reunião dentro do campo para incentivar e nem deu tempo para o grito de guerra final.

O melhor jogador da região é retirado do gramado e o jogo proibido. Quem escutou, conta que os fardados repetiam: “com esse nome não, com esse nome não!” A festa acaba, todos se vão. O melhor do time com o nome proibido é levado para a capital. Dois dias depois o dono da camisa 8 volta para a sua cidade. Não fala nada, e ninguém pergunta nada. Volta ao trabalho, se casa, para de fazer entregas e nunca mais volta aos gramados.

Vasconcelos Neto

Friday, June 08, 2007

Zodíaco, de David Fincher *

Uma das faces mais surpreendentes da sociedade da informação é o poder da mídia de determinar os pensamentos, sentimentos e valores que tornam possível a convivência organizada das pessoas em um grande grupo. A imprensa preenche com incomparável sucesso e facilidade essa dimensão superior, responsável por renovar constantemente a percepção que cada um tem de si mesmo como integrante de algo maior. Há pouco mais de um século, essa dimensão superior, universal, onipresente e poderosa, ainda se erigia em nome de um Deus modelar e unificador. Na era em que a “morte de Deus” é algo consumado, garantir a auto-coerção dos homens exige o fortalecimento e enobrecimento das instituições, que passam a oferecer à humanidade a impressão ingênua de que cada um, enquanto homem livre e universal – tal como era o Deus morto – assumiu plenamente o controle da sociedade.

A onipresença da informação ocorre por via direta (dos meios de comunicação para indivíduo) ou indireta (dos meios de comunicação para um indivíduo e dele para outro indivíduo, infinitas vezes), abarcando todos os pensamentos e ações possíveis. Para os que ainda se entusiasmam, é indiferente a existência de homens no começo e no fim do processo; a “reciprocidade”, o feedback, a “resposta” está pré-determinada; o movimento é sempre um movimento de retorno, do mesmo ao mesmo. Sem Deus, é o homem que está em todos os lugares, no começo e no fim do processo, e também no meio – ou nos “meios”; os homens são esses meios, é isso que Zodíaco deixa à mostra em seus momentos mais breves, exatamente os únicos que devem ser lembrados depois de uma narrativa dispendiosa que envolve o espectador, sorrateiramente, com o mesmo excesso de informações que fundamenta a trama.

Nesse passo, o desafio impossível que pode ultrajar o espectador – em sua “dignidade de homem livre”, que se diga – é comunicar-se ou agir de tal maneira que não exista qualquer elemento inspirador aproveitando-se da sua fala e do seu ato, sempre a serviço da manutenção premeditada do todo. O revolucionário venezuelano está no mesmo patamar do soldado norte-americano. É o homem que dá a si mesmo a sua violência, como o cerne da notícia policial ou a preocupação que sustenta a própria polícia; é o homem que perpetua o movimento e exige uma incompreensível justiça. Qual justiça? A única que Zodíaco oferece é o distanciamento, a fuga, o medo contido de Melaine (Chloë Sevigny) que, apesar dele, mantém o olhar ríspido e pontual, exigindo do marido o compromisso nunca verbalizado de uma boa vida moderna, o way of life, a satisfação graciosa de quem se esconde por trás dos óculos nerd e da admiração correta pelos mais fracos.

Nada diferente da mulher que se lança do carro com o filho nos braços. Nada diferente do possível assassino que se diverte, ao mesmo tempo, com revistas pornográficas e com os jornais nos quais publica seus crimes; são mulheres nuas e notícias gravíssimas, sexo explícito e cartoons pouco talentosos, ou, alternando os objetos para as vidas, policiais dedicados e esquilos esquisitos – falsas dicotomias que se ampliavam e solidificavam nos anos dourados que Zodíaco pretende representar, com tanto sucesso quanto possível para ser um ótimo argumento ideológico contra Clube da Luta. Se há algo que chama a atenção no novo filme de David Fincher, além disso, é que ele não precisava de mais do que a metade da sua duração, poupando o espectador de todo o levante heróico de Graysmith (Jake Gyllenhaal).

O zodíaco, não há dúvidas, ele não existe. Ele é o sucesso, a obediência à ordem; mais que isso, é o sucesso do modelo de trangressão que a ordem carrega em seu seio, o sucesso da própria ordem. Ele é o entusiasmo que ilumina os voluntários sem nome quando se entregam, no auge das investigações policiais, ou a empolgação efêmera que domina qualquer um dos espectadores, ocultos pela penumbra da projeção e esgotados com as possibilidades do mundo que, movimentando-se, se reinventa.

Rodrigo Cássio

* Texto em homenagem a Jean-François Lyotard

Saturday, May 05, 2007

Passadismo: a moda retrô na era da internet


O hype agora é o passado. Nunca esteve tão em alta o culto aos grupos/movimentos/sonoridades de certo passado recente (principalmente, a "era de ouro" da música pop - décadas de 60 e 70 e adjacências). Com a internet, a música pop, que sempre viveu de retroalimentação, agora, mais do que nunca, é cíclica - vive de fases; entre a busca de referências em décadas anteriores e esparsos [e cada vez mais raros] saltos de inovação.

Para constatar isso é simples; basta uma rápida zapeada pela Mtv, ou mesmo cinco minutos de audição da rádio mais “moderninha” da cidade. Pronto: sacou que as bandinhas mais in estão reciclando os anos 80? E os dinossauros que vivem de um passado glorioso? Talvez tenham ouvido uma voz feminina com trejeitos de black music dos anos 60/70, não?! Algo como a nova "Aretha Franklin branca". Uau! Ainda, basta uma rápida passada pelos lançamentos do último trimeste que salta aos ouvidos três pérolas dessa retro-reciclagem-remix-cool dos anos 00; o cd Back to Black de Amy Winehouse, o mais novo da queridinha Joss Stone, Introducing Joss Stone, e, para misturarmos Jesus com Genésio, Momento de Bebel Gilberto.

O primeiro, da polêmica Amy Winehouse, impõe sua potência. Voz poderosa, letras ácidas e um groove cortante, estilhaçam qualquer tentativa de desqualificá-la por suas constantes aparições em tablóides. Sua vida tumultuada, regada à doses cavalares de bebidas e vexames, dá a tônica das letras e contagia de espontaneidade o careta mundo pop atual. Se a princípio a sensação de já-ouvi-isso-tudo pode afastar um eventual ouvinte, a força de hits como Rehab ou Addicted levanta qualquer suspeita de falseamento tão comum nas novas divas do retrô que pululam das revistas inglesas e que consequentemente o mundo abraça.

Joss Stone é um caso sério. A bonitinha causou furor com sua aparição repentina há alguns anos, sendo comparada com as grandes divas do soul e r&b, e tudo o mais. Nada mal para uma garota na época com 16 anos. Entretanto, esse novo disco, Introducing Joss Stone, é, com a desculpa do [mais um!] lugar comum, sem sal. Ao que parece, Joss Stone, ou seus produtores (sabe-se lá), tinha a intenção de sair das comparações e se mostrar com uma personalidade vocal/sonora própria. Conseguiu o efeito oposto, penso. A participação de Lauryn Hill é o ponto alto do disco, mas a garota não consegue segurar a onda sozinha; perde-se entre a tentativa de se mostrar diferente e manter as vendagens anteriores. Parece-me que essa tentativa de equilíbrio deixou sua música sem personalidade - as rádios adorarão.

Bebel Gilberto, mais afeita a Nova York à Londres, produz um disco que destoa das duas artistas citadas. Primeiro, por que o universo bretão é processado de uma forma diferente; já que não é inglesa ou norte-americana, mas brasileira. Depois, por que suas referências são outras. Referências à música negra aqui são, se as têm, indiretas; o passado vem em forma de bossa nova e, todos sabem, bossa nova é um samba “higienizado”. A bossa nova-lounge de Bebel, nesse disco, continua cool, mas não deixa de ter suas afetações. Quem espera por algo novo pode se decepcionar, mas isso não quer dizer que o cd é ruim. Pelo contrário, o ambiente eletrônico e a batida bossa nova harmonizam-se bem, as letras e a voz da cantora fecham bem o clima fim-de-tarde que Bebel deseja. Às vezes, parece estar um pouco distante do universo musical nativo atual (que nem a presença da boa composição, Tranquilo, de Kassin, com participação da Orquestra Imperial, consegue mudar), mas talvez seja essa condição de desenraizamento (sua música não pertence nem a Nova York nem ao Brasil) que fazem seu "passadismo" soar mais como uma reverência do que como mero oportunismo.

Se Amy Winehouse consegue emular o soul dos anos 60/70 de um modo autêntico; Joss Stone prefere afastar-se dele camuflando-se de moderninha, caindo, assim, na armadilha do estabelishment do R&B/Hip Hop/ Pop atual. Já Bebel Gilberto, antípoda latino-americana das inglesas, consegue trazer com dignidade o passado para sua música, com o perigo de afogar-se em clichês, é certo, mas dando um leve sopro de renovação.

O "passadismo" atual é sintomático de uma era de excesso[s] de [da] informação. Talvez seja cedo demais para afirmar qualquer coisa sobre os efeitos da internet na música pop[ular], mas com certeza podemos dizer que ela alarga as referências em detrimento do estreitamento das distâncias das diferentes “aldeias” musicais; produzindo, por um lado, fluxos de aparente falta de criatividade – favorecendo remixes e releituras –; por outro lado, favorecendo o trânsito de informações musicais, a enriquecer assim a biodiversidade musical. Os três casos acima citados expressam ora uma, ora outra tendência; a história da música pop[ular], desterritorializa-se no ambiente veloz e plural da internet, tornando-se dócil ao toque daqueles que a souberem manipular... e o futuro a esses pertence.

por Carlos Eduardo Pinheiro

Monday, April 23, 2007

Tormenta


A tormenta atingia a janela que ficava sobre a cama. O quarto, na penumbra, é abalado por um clarão que balança as paredes e desperta o corpo suado, já de pau duro - a lembrança da primeira mulher que vem à cabeça é suficiente.
A mão direita não consegue tocar a punheta. O ombro ainda está inchado pelo tiro de raspão, envolto em uma atadura amarelada dos dias quentes de Goiânia.


O tesão é maior, o pau ainda ereto, latejante. Resta a mão esquerda, descoordenada.
A gozada demora mais que o esperado, a bermuda mal arriada atrapalha. Não se permite pausa para tirá-la, se parar agora, mesmo que rápido, pode perder o momento. A chuva acerta a vidraça e respinga dentro do quarto, sobre o corpo que se contorce.

O ombro dói, lateja ainda mais. Uma pequena mancha de sangue aparece na atadura.
A testa salpica de um suor viscoso, a chuva já cai forte e escorre pela parede. A imagem da mulher nem mais é tão lembrada, apenas pequenos flashes.

Trata-se agora de uma questão de honra.

O membro vermelho, latejante - aumenta-se a velocidade.
A mão esquerda em solavancos fortes. Mais um pouco.
Quase...., quase...., vai..., mais uma puxada, vai porra, vai,....
a respiração presa, o ritmo frenético,
vai porra,...
agora sim, agora sim....,
sim........................................................................

Aos poucos o movimento desacelera, solta-se o ar dos pulmões e respira-se fundo, devagar. O corpo treme. Respingos da chuva estalam na grade da janela.
O quarto já escuro.
Gozado, o corpo deita-se de bruços num sono profundo.
Um último estrondo distante. A tempestade já ao longe.
Não há paz e nem há uivos

João Gabriel de Freitas

Wednesday, April 18, 2007

Marcados no coração


O dia-a-dia neste período de minha vida era de pouca diversão. Tinha 13 anos. Mas conheci um grande número de pessoas e fiz amizades inesquecíveis. O que vivi neste período faz parte do que sou hoje. Valores humanos, olhar a pessoa por dentro, no fundo dos olhos, sem observar vestuário e modos, eu aprendi até com aqueles que se juntavam para fazer pequenos furtos e arrumar brigas com gangues adversárias.

Na padaria da minha mãe, onde trabalhava de dia e a noite, mantinha contato com os outros comerciantes e neste convívio os laços se tornam fraternos. O dono do pregão, o chaveiro e seus filhos, a mecânica do conserto de bicicletas, da lanchonete concorrente, os funcionários da loteria, enfim todos tinham alguma experiência para trocar.

Nas intermináveis tardes atrás do balcão, preocupado com moscas e a limpeza do ambiente, tinha um companheiro fiel. O Chico era um solitário senhor de seus 50 anos que realmente não batia muito bem da cabeça. O que ele mais repetia era que queria um gole de café com um cigarro. Não fazia mal a ninguém e se deixasse fumava uma carteira de cigarro em três horas.

O Chico era zeloso. Todos tinham suas manias, mas a dele era especial: limpar a calçada. Só que ele não usava vassoura, era na mão mesmo. Abaixava-se para recolher tudo que era de se jogar no lixo e deixava a calçada limpa. Não sei por que, mas de certa forma, isso incomodava. Acreditávamos ser uma atividade inútil. A gente proibia, pedia para parar, mas não tinha jeito, era o que ele queria fazer, era o que gostava. E a inutilidade acabava ficando em nós.
Num domingão daqueles de nada e ninguém, estávamos nós, sentados, apenas admirando a rua, quando de repente aparece um carro da ROTAM (polícia especial de Goiânia que mete medo em qualquer um). Os policiais vieram de ré, quase enfiaram o carro dentro da panificadora Santo Cristo e desceram todos de uma só vez. Mesmo sem fazer nada, não tem como não dizer que também sentia medo.

Nessa época o Chico enfiou na cabeça que precisava de um milhão de reais emprestado para comprar um caminhão e ajudar um sobrinho que tinha um comércio de frutas no Ceasa. Pedia emprestado para quem via pela frente. E jurava devolver a grana na semana seguinte. Eu mesmo escutava isso o dia todo.

O tenente entrou na padaria, e com mais quatro soldados, pediram uma Coca-ola para beber. Eu só tinha Pespi. Ele encarou o moleque atrás do balcão, fez cara feia, relutou, quase foi embora, mas aceitou. Eu quase não me mexia. Nisso o meu querido amigo Chico se aproximou, chegou bem perto do policial olhando fixo em sua cara, e anunciou: "Hei, me empresta um milhão até semana que entra. Eu te pago". Na hora me gelou a espinha. Só um garoto, entre os policiais e um louco pedindo um milhão. Tentei explicar, e o policial entendeu. Com a negativa do PM, restou ao Chico pedir um pouco de refrigerante e um cigarro do que o PM fumava. Eu dei risada o resto do dia. Ele também. Tenho muitas saudades dele, como queria revê-lo.

Os momentos difíceis eram proporcionados pelos marginais que apareciam na padaria. O pior sempre foi o Sorriso. Bebia refrigerante, comia bolo, salgado, rosca, tomava sorvete e nunca pagava. Quando não se retirava me olhando com aquela cara irônica era porque um caminhão chamava toda a sua atenção.

Tinha um quebra-mola na frente da panificadora, e quando o caminhão reduzia a velocidade para passar, o Sorriso saia correndo, pegava rabeira e furtava o que tinha em cima. Era impressionante a agilidade dele. Descia um botijão de gás com a naturalidade de quem bebe água. E sempre dava fim no produto de roubo.

Às vezes sumia semanas, mas quando aparecia me aterrorizava. Já chegava sorrindo e eu novamente com um frio na espinha. Só um garoto tomando conta da padaria. Um dia à noite estava no telefone conversando com uma amiga quando o Sorriso apareceu silencioso. Desta vez não tinha aquele sorriso, estava afoito, ansioso, agitado. Depois de alguns minutos, invadiu a padaria, foi até o caixa, e tentou pegar o dinheiro que tinha ali.

Entramos em luta corporal, trocamos empurrões. Fiquei na porta, sem o deixar sair. Pensava: "Porra, hoje esse cara não vai sair, hoje não". Ele percebeu que aquele era um dia diferente, e eu também. Nos empurramos até que ele desistiu e me devolveu a grana. Ficamos um tempo calado. O Sorriso então começou a falar: "num quero te roubar não, é que eu tava preso e estou na fissura para fumar merla (que usa o resto de cocaína misturada a solução de bateria e é vendida em pequenas latas de alumínio. Uma das piores drogas que já conheci)".

Nisso o Sorriso começou a esmurrar uma parede chamuscada com tanta força que sua mão começou a sangrar. Passou o primeiro caminhão e o motorista percebeu. O segundo também. Ele voltava mais nervoso e agitado. Foram umas cinco porradas na parede. Não agüentei ver seu estado de abstinência, sua mão sangrava muito. Peguei dez reais e lhe entreguei. O Sorriso agradeceu e no primeiro caminhão ele se agarrou e parecia flutuar satisfeito na busca da substância que o deixava naquele estado. Na outra semana comeu, bebeu refrigerante e como sempre saiu sem pagar.

José Vasconcelos Neto

Thursday, March 01, 2007

Da arte de saber apanhar


Filme simples, com falas diretas, sem desperdícios, e silêncios profundos. Não se necessita de muita gradiloqüência para tratar de valores como honra e orgulho. Assim me vem à tela Rocky 6, exprimindo um tipo de sensibilidade rasteira e próxima às ruas - necessária para se percebercomo são sábios cães e mendigos, ou o quanto é melancólica a vida de boxeadores aposentados.

Rocky 6 retoma Rocky 1, fechando a saga de forma mais nobre e classuda. Busca-se o mesmo universo das ruas frias de Filadélfia de mais de 20 anos atrás, com seus personagens inocentes, desconfiados, e naturalmente, deslocados da rotina da cidade atual e tentando se apegar a resquícios de suas vidas.

Balboa do primeiro filme também é resgatado, mas o tom singelo e dasafiador dá lugar à sobriedade de um cara que tenta seguir em frente, mesmo atormentado pelas lembranças da mulher morta, ou pela angústia de passar o resto de sua vida contando sempre as mesmas e velhas histórias para os fregueses de seu restaurante Adrielle's. As paredes cobertas de fotos e medalhões em vez de conforto lhe dão a certeza de que ainda há demônios presos no porão.

Não se trata de um personagem mais sábio - nunca foi, e seria ridículo colocá-lo nessa posição - mas sim de um cara mais calejado, tentando buscar fagulhas e se sentir ainda vivo ao subir no ringue. Balboa posta-se no limite do risco em ser tratado com pena ou comprometer a própria vida. É esta postura frente ao fio da navalha que traz a principal mensagem do filme: de como a vida não é nada mais do que a arte de saber apanhar - não importa o quanto você consegue bater e sim oquanto você consegue apanhar e ainda seguir em frente. Lição dada em seu filho já adolescente, arrogante e temeroso de seu vexame.

Muitos gracejam sobre como as lutas são alegóricas e irreais. Mas é claro que são porra! No filme atual, o próprio aparecimento repentino de Mike Tyson contribui para elevar o nonsense do espetáculo. Compreendo, já que a maioria desses também não se deixam levar por nada, por fábula nenhuma. Nunca comprarão uma boa briga.
João Gabriel de Freitas

Saturday, February 17, 2007

Cinza



Meu nome é Roberto. Roberto Siqueira. Mas prefiro que me chamem de doutor Siqueira. Pra impor o respeito. Gosto de usar ternos baratos e mau cortados. De preferência em tons de cinza. Aquele cinza meio riscado. Não é riscado de giz, não. São aqueles risquinhos tipo de roupa de malha. Sei que é feio. Mas acho que combina com minha profissão. No meu trabalho a roupa conta muito. Tem que combinar com o que faço e com o tipo de gente com os quais eu lido.

As gravatas, por exemplo, tenho umas lisas e muitas estampadas. Praticamente todas com nó pronto. Não sou vagabundo. Nunca tive tempo para aprender a dar nós em gravatas. Além do mais, isso pra mim é coisa de fresco. Quem tem que dar nó em gravata é mulher. Como não tenho nenhuma que mora comigo, então compro as que já vem com nó pronto, de zíper. Gosto de estampas clássicas. Clássicas, assim, como aquelas da camisa do Dunga. Mas é só pra gravata, Uma camisa assim, quiçá no Havaí...

As minhas, que uso com meus ternos -- e nos dias de calor só elas com a gravata, claro que sem desabotoar o fecho dos pulsos --, são escuras. Faz jogo com meus ternos cinzas, bem sóbrios e sérios. Hoje mesmo, que tive de ir lá naquele ambiente com ar condicionado e parentes limpas, coloquei uma das minhas preferidas, azul turquesa, 75% poliéster, que deixa o corpo bem arejado. Vesti uma das minhas prediletas porque, apesar do nojo que tenho deles, preciso causar boa impressão.

Sapato e cinto sempre são da mesma cor. Se não cumprisse essa regra estaria parecido com o outro tipo de gente que se acha poderosa e eu tenho que lidar diariamente. Eles, naqueles ambientes, quentes, abafados, sujos e descascados, é que usam sapatos caramelo de bico quadrado com cinto marrom escuto ou preto. Tsc tsc. Isso quando estão de sapato. Gostam de usar blazer marrom, verde escuro ou preto e botinas, que trazem sempre surradas e muito bem lustradas.

Tenho a pele avermelhada de sol. Talvez seja o feito do tempo, da idade. Mas certeza que o fato de eu às vezes ficar em pé, no sol, contribui. Os raios vêem direto na minha cara. Ainda bem que tenho um ray ban clássico com aro dourado. Combina com meu visual e me faz sentir bem. Meu cabelo raleando e jogado pra cima, pra trás, curto e meio encaracolado. Um cu.

Fico ali parado, fumando um Plaza, esperando chegar um cliente potencial. Gosto das mães, das mulheres mais dramáticas. Aquelas que se ardem em choro. É mais fácil tirar dinheiro delas. E, geralmente, é tudo que dá pra tirar. Por isso já aviso logo. Não faço milagres. Depende do tamanho da merda que o elemento fez. E elas respondem tá, doutô Siqueira. Mas ajuda ele, tá? Eu ajudo, minha filha, eu ajudo o tanto que posso.

Na minha Consul azul sempre tem pelo menos cinco latinhas de cerveja. Bebo Brahma. Acostumei da época que ela era boa. Chego em casa, desço o zíper da gravata e tiro do meio das crostas de gelo do freezer. Tiro o sapato e as meias finas, empurro com os pés para o lado e estico as pernas na mesa. O controle remoto é meu melhor amigo. Nunca soube o porque, mas, todo dia que chego em casa a tempo, vejo o jornal nacional. Fico pragejando pro Willian Bonner e pra Fátima Bernardes. Ah, então tá tudo lindo, né, robozinho. Filhos da puta.

É também por isso que gosto do meu trabalho. Porque todo mundo no mundo é filho da puta. Todo mundo é sujo. Todo mundo merece ser roubado. Justiça divina, entende? Todo mundo faz merda na vida. Não dá pra descontar só na parcela que roda. Essa é minha função social. Faço isso pra dar direitos iguais a todos. E não gosto de ficar com a bunda gelada atrás de uma mesa de escritório. Isso facilita minha vida.

Ando por aí com meu terno cinza desabotoado, minhas camisas escuras com gravatas estampadas; de repartição em repartição atrás do dinheiro pra minhas brahmas, minhas putas e do alívio da minha consciência. Termino as noites batendo uma punheta nervosa, meio desesperada. Não sei o por que disso. Nunca quis saber. Gozo e fico olhando para o teto. Amanhã tem mais.

Pedro Palazzo Luccas

Wednesday, January 10, 2007

de perto, ninguém é...

Sentada no sofá, assistia ao jornal diário e lambiscava a sobremesa. A briga começou por causa do Nelson Rodrigues. Sem paciência para comentários inúteis, deu uma resposta grosseira à irmã que maldisse o escritor. Na verdade ele nem é, nem nunca foi seu primeiro da lista, mas havia de reconhecer sua maestria e sua sensatez. Aí é que a coisa ferveu. Insano era o que ele era!
Insano?! Sãos não somos! Cercados de exemplos e histórias absurdas, como definir quem é louco ou devasso ou insensato ou pervertido?! A negra do bêco, tem mil amantes, uma mãe que, de devota passou à doente mental, e uma filha que assiste ao seu sexo diariamente. A tia próxima, diz que tem um namorado, viajante, teve uma herdeira com outra mulher e nunca quis casá-la. A da esquina há cinco anos tem uma caso com o dono do supermecardo, casado há 30. A esposa sabe de tudo. A outra, mal enterrou o cônjuge e se deu ao desfrute. Certa ela! Melhor que a outra que se enterrou com o marido. (Aliás, ô rua pra ter viúva, viu?!).
Não quis falar do avô, porque ainda era recente. Embora todos se penalizassem com sua loucura, era de todos, o mais normal. O mais atento, o mais sereno. Tudo bem que tinha lá seus devaneios, suas crises e deficiências, mas assim não somos todos nós?! Lembrou-se também do amigo (ou talvez nem isso). Enstisteceu-se, mas não soube nem lamentar, tão precoce sua perda de sentido! Da sua loucura nunca mais tiveram notícia. Também não mencionou este.
E também não falou dos loucos de sua infância, dos pervertidos, das figuras que circulavam aquela cidade do interior, complementando o postal. Na igreja era fácil encontrá-los. Ali ninguém fala em voz alta. A senhora das bonecas, teve as filhas gêmeas assassinadas pelo avô, o rapaz gritando em francês trechos bíblicos, estudou muito e era vciado em alguma coisa, o velho sem dentes, não se lembrava, aquele com a bengala, abandono materno. Um montante de psicopatias e perveções.....
A briga silenciou para atender com urgência ao apelo televisivo: a execução de Sadam, exibida no noticiário. Desfigurado, pronunciava uma oração, quando o carrasco de súbito tirou-lhe o chão. E a vida.
O que dizer de Nelson Rodrigues? Insano está o mundo!
Lorena Maria