Friday, March 17, 2006

Lazarento

Lázaro nunca foi um menino bem quisto entre os colegas. No colégio não se envolvia diretamente nos acidentes, mas de uma forma ou de outra, todos ocorriam sob o foco de seu olhar agourento. Súbitos males acometiam as professoras: seborréia, halitose, flatulências, herpes, cancros genitais, cornificações... Causava calafrios aqueles olhos amarelos, circundado de veias inquiridoras, vindos de uma criatura tão franzina e moribunda, que quase não pronunciava palavra alguma.

Perdeu o pai quando criança. Tem na memória o rosto desesperado do velho sentado diante da TV vendo seu time ser rebaixado à terceira divisão. Naquela noite, poucos minutos antes do fim do jogo, ainda olhou com desgosto para Lázaro, então com seis anos, e sem se despedir pegou o rumo do boteco mais próximo. Voltado para a entrada do bar, o garotinho permaneceu estático na janela do quarto durante toda a noite, apenas velando mais uma alma que se afogava. Nas primeiras horas da manhã acompanhou o trabalho dos bombeiros que carregaram o corpo, envolto num pano branco, para dentro da viatura.

Aos dezessete morava com a mãe, que alguns diziam que só escapou por ter o corpo fechado. Não se fixava em nenhum trabalho, gostava mesmo era de andar descalço pelo centro da cidade. Ao passar numa tarde nublada pela ponte da Avenida Botafogo, se reteve a observar o trânsito em alta velocidade. Escorado no parapeito viu uma parati perder subitamente o controle ao tentar desviar de um buraco do lado esquerdo da pista e assim desencadear uma série de colisões, primeiro com um monza preto que vinha logo atrás pelo lado direito e que, instintivamente, desviou de forma brusca para o lado do acostamento, onde justamente passava o moto boy Jeovaldo. O corpo de Jeovaldo, prensado entre o monza e a barreira do acostamento, voou antes de aterrisar com a cabeça a menos de três metros de Lázaro. Ainda da ponte, não desviou o olhar do corpo de Jeovaldo que, de olhos abertos e sem capacete, inspirou uma porção de ar mais profunda .... pausou por alguns segundos ... e finalmente expirou todo o ar dos pulmões. "É o dia mais feliz de minha vida", pensou Lázaro, mas não disse.

João Gabriel Freitas

1 comment:

Andrea said...

Acho que esse motoboy era primo do azarento daí de baixo... rs!