Lázaro nunca foi um menino bem quisto entre os colegas. No colégio não se envolvia diretamente nos acidentes, mas de uma forma ou de outra, todos ocorriam sob o foco de seu olhar agourento. Súbitos males acometiam as professoras: seborréia, halitose, flatulências, herpes, cancros genitais, cornificações... Causava calafrios aqueles olhos amarelos, circundado de veias inquiridoras, vindos de uma criatura tão franzina e moribunda, que quase não pronunciava palavra alguma.
Perdeu o pai quando criança. Tem na memória o rosto desesperado do velho sentado diante da TV vendo seu time ser rebaixado à terceira divisão. Naquela noite, poucos minutos antes do fim do jogo, ainda olhou com desgosto para Lázaro, então com seis anos, e sem se despedir pegou o rumo do boteco mais próximo. Voltado para a entrada do bar, o garotinho permaneceu estático na janela do quarto durante toda a noite, apenas velando mais uma alma que se afogava. Nas primeiras horas da manhã acompanhou o trabalho dos bombeiros que carregaram o corpo, envolto num pano branco, para dentro da viatura.
Aos dezessete morava com a mãe, que alguns diziam que só escapou por ter o corpo fechado. Não se fixava em nenhum trabalho, gostava mesmo era de andar descalço pelo centro da cidade. Ao passar numa tarde nublada pela ponte da Avenida Botafogo, se reteve a observar o trânsito em alta velocidade. Escorado no parapeito viu uma parati perder subitamente o controle ao tentar desviar de um buraco do lado esquerdo da pista e assim desencadear uma série de colisões, primeiro com um monza preto que vinha logo atrás pelo lado direito e que, instintivamente, desviou de forma brusca para o lado do acostamento, onde justamente passava o moto boy Jeovaldo. O corpo de Jeovaldo, prensado entre o monza e a barreira do acostamento, voou antes de aterrisar com a cabeça a menos de três metros de Lázaro. Ainda da ponte, não desviou o olhar do corpo de Jeovaldo que, de olhos abertos e sem capacete, inspirou uma porção de ar mais profunda .... pausou por alguns segundos ... e finalmente expirou todo o ar dos pulmões. "É o dia mais feliz de minha vida", pensou Lázaro, mas não disse.
João Gabriel Freitas
Friday, March 17, 2006
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1 comment:
Acho que esse motoboy era primo do azarento daí de baixo... rs!
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