Wednesday, December 20, 2006

Para Lola

LITERATURA

No início os amores são Vinícius
são paixão
precipícios
são vertigem
e são vícios
são rosa da rosa
infinitos enquanto duram
enquanto dormem
enquanto duros

Maduros então
os amores são Drummond
são do mundo
do mundo mundo vasto mundo
são joão
teresa
raimundo
são pedras
são caminhos
são amados e malamados
olhos vidrados

No fim...
bem, no fim
(nota: não cheguei ao fim)
no fim acho que
os amores são Bandeira
são dores
tangos argentinos
são vida inteira
não foram
mas podia ter
sido

Vida noves fora zero?
sim! são fora e são zero
mas não! são nove e são quero

São e não são
infinito
caminho
zero

João Gabriel de Freitas

Sunday, December 17, 2006

Reflexão de domingo à tarde

Há muitas maneiras de fundamentar a igualdade dos homens, uma delas é: somos iguais em angústias, incertezas, instabilidade recorrente e ameaçadora. Somos animais pensantes que se diferenciam por pequenas sutilezas, meros detalhes que nunca são suficientes para contrariar a distribuição comum dos afetos e sentidos, das vontades, de consciência e inconsciência.

Não há novidade alguma nisso. Homens e mulheres, percebam ou não, experimentam a vida como um desafio, um projeto não requerido. Talvez um presente de um deus misterioso (e, caso ele exista, genial em sua indiscrição). Talvez um fardo para a realização de uma sentença, sem que esses animais pensantes tenham acesso ao seu próprio julgamento. Que fazem eles?

Uma possibilidade é recuar e preferir a inconstante plenitude do auto-controle, a submissão a uma mente organizadora dos fatos e dos desejos. Não que seja, invariavelmente, menos doloroso viver assim. Mas essa é a intenção honesta e declarada desse caminho: o desafio deve ser quase indolor, a sofreguidão do homem deve ser dissimulada. O movimento do mar, por maior que seja o oceano, não é o da tempestade, mas o de uma fresca manhã que traz as ondas, calmamente, ao encontro de pés descalços.

É possível, também, irritar-se com o desafio, transformando-se em um diabo traiçoeiro, um anti-herói da existência. Assim, cuspir fogo bruto contra os bons costumes, agredir a lealdade e assumir todos os vícios. O homem vivo se enterra e se move, rastejante, por baixo dos pés alheios, pronto para elevar-se e transgredir novamente a lei, sedento por derrubar os ídolos que abandonou em sua inebriante empreitada. Não se incomoda com a morte ou a má consciência. Em forma de tempestade, o desafio é honrado à altura, e a água salgada transborda, invadindo pulmões, ignorando prudência.

Mas há, ainda, uma terceira via. Nela, os homens visitam uma montanha que está sempre longe, um pouco acima do mar. Do alto, contemplam e riem, estupefatos, brincando maravilhosamente com toda a seriedade do mundo. Riem e se surpreendem, todas as manhãs, todas as tardes e noites, observando mais de perto os humores do sol e da lua, da secura do clima quente e da chuva rala, ora atacando, ora reconfortando a própria pele. Por curioso que seja, procuram ao mesmo tempo o auto-controle e o diabo traiçoeiro dentro de si. Equilibram-se, pois abandonam facilmente os próprios desejos, e valorizam com uma estranha ternura a falta de sentido do mundo.

A altura da montanha não é um divisor de mundos ou verdades, e, certamente, menos ainda de homens (iguais em angústias, incertezas, instabilidade recorrente e ameaçadora). É um lugar que eles procuram. Lá, não estão preocupados com muita coisa: apenas riem. Muitas vezes fatigados, é verdade, mas, acima de tudo, incomparavelmente satisfeitos com a beleza de tudo.


Rodrigo Cássio

Monday, December 04, 2006

Mal há bares em que vivo

Trago a vida em minhas mãos,
Malabares de vidro.
Mas quando me canso
Estes cristais
Mastigo.
E cuspo os cacos
Sangrando a vida
No que digo



Wertem Nunes Faleiro

Sunday, December 03, 2006

Um filme sobre o cuidado – Almodóvar e o universo feminino


O cuidar de si e o cuidar do outro são atos que se confundem quando a proximidade das pessoas as unifica, as transforma em uma relação, uma identidade firmada no mundo que compartilham e constroem. O novo filme de Pedro Almodóvar, Volver, explora o sentido desse “cuidado” no universo feminino, tema ao qual o diretor espanhol retorna belamente após o polêmico “Má Educação”, de 2004.

Volver é um filme repleto de personagens femininas. Raimunda, interpretada por Penélope Cruz, desdobra-se em empregos diferentes para cuidar do lar, da filha, a adolescente Paula, e ainda fazer-se presente na vida de sua tia Paula, idosa e com a saúde debilitada. Essa última tarefa Penélope divide com a irmã, a solitária Sole, proprietária de um salão de beleza ilegal.

Raimunda, ao contrário do que pode parecer, não é uma mulher solteira. Seu marido, Paco, é um companheiro e pai ausente que não resiste à fuga rápida pelo prazer, o álcool e o sexo, negligenciando a urgência de consolidar-se em um emprego e participar da vida familiar. O assassinato de Paco e a aparição do fantasma de Irene, mãe de Sole e Raimunda, morta cinco anos antes, compõem o mote de Volver.

As três gerações de mulheres que Almodóvar nos apresenta estão vinculadas não apenas pelo sangue familiar, mas pelos dilemas semelhantes, os desafios que o enfrentamento da realidade proporciona a cada uma delas. Raimunda reflete em sua conduta, de uma só vez, a tradição ocidental que fez do “cuidado” um atributo especialmente feminino, e a astúcia contemporânea da mulher que não se intimida diante do mundo, ampliando o significado do “cuidar” para além do “amparar”, e assumindo, assim, o “proteger” – mesmo que isso lhe custe abrir mão de sua vida pessoal.

A idéia de proteção está fartamente presente no filme. A volta de Irene ao mundo dos vivos ocorre em nome do bem-estar de tia Paula, culminando no reencontro com as filhas, também motivado pelo sentimento de identificação e unidade essencial (tão feminino quanto familiar) que sequer a morte poderia dissolver. A cena em que Irene, Paula, Sole e Raimunda viajam no mesmo carro, retornando à aldeia onde estão suas raízes, nos remete à viagem interior irrecusável que as torna iguais, em sensibilidade e em coragem.

Os homens são dispensáveis no universo de Volver. Almodóvar enfatiza as seqüências em que suas mulheres se esforçam fisicamente, seja arrumando engradados de bebidas ou unindo forças para deslocar um pesado freezer (a união delas, por razões diversas, é uma constante). Mais que dispensáveis, os homens são seres absolutamente estranhos aos dilemas enfrentados pelo sexo oposto. Apagados, são coadjuvantes de um mundo que não conseguem absorver por não sustentarem a mesma mistura de sensibilidade e força, de tradição e personalidade crítica diante do novo.

Mas Almodóvar não fundamenta seu filme em um discurso feminista radical, e aí está a grandeza de Volver. O aparente desmerecimento do homem é, na verdade, uma afirmação da mulher, uma apologia das possibilidades de realização da vida que a cultura ocasionou a elas, de uma forma especial (o que não quer dizer que todas as mulheres se dão conta dessas possibilidades). Ainda que dispensáveis, os homens possuem o seu lugar, deixando uma lacuna evidente à medida que o abandonam. E se o abandonam, é por não encontrarem a importância do “cuidado”, a dimensão feminina que ignoram em seu ser, condenando-se à incompletude.

Volver é uma obra que exemplifica fielmente o que é Almodóvar. A capacidade do diretor de manipular sentimentos e de compreender tópicos fundamentais da vida de hoje, cinematograficamente, estão presentes da primeira à última cena, transformando-o em um filme indispensável para os que admiram ou pretendem conhecer o diretor espanhol em sua melhor forma.


Rodrigo Cássio

Friday, December 01, 2006

Lanny Gordin - Psicodelia e transgressão made in Brazil


Quando se fala em tropicalismo vêm à mente as figuras de Caetano Veloso e Gilberto Gil, talvez Os Mutantes e [agora mais do que nunca] de Tom Zé. Raramente Jards Macalé, Rogério Duprat ou Lanny Gordin. O movimento tropicalista, no seu período áureo, de 1967 a pelo menos 1972, pautou-se, principalmente, pela experimentação através da sinergia de artistas de diversas áreas. Esquecer que o tropicalismo foi um movimento coletivo é compactuar com a idolatria do mainstream brasileiro - e o que foi a década de 1970 senão o decênio de ascensão dos grandes ídolos da MPB?

Relembrar o nome de Lanny Gordin é não só uma atitude anti-stabilishment como a reparação de uma injustiça. Uma das forças motrizes do tropicalismo, Lanny, participou dos principais [e melhores] discos daquele movimento. Sua guitarra transgrediu os limites impostos pelo padrão de música popular praticado até então ao fundir jazz e psicodelia de uma forma talvez nunca experimentada antes por estas terras. Solos siderais, distorções lancinantes, ambientações lisérgicas e dispersão do Ego eram [e são] alguns dos efeitos característicos criados pelo guitarrista (...).

1969 é uma data marcante para o tropicalismo, não só por ser o ano do exílio dos "cabeças" do movimento, quanto pela psicodelia incontida presente nos discos de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa daquele ano. Transgressão e psicodelia obtida pela sinergia das cabeças mais progressistas no campo da música popular no Brasil daquele momento. Poesia, política, lisergia, performance, marketing, música, teatro, cinema e artes plásticas. Estilhaços de uma bomba que explodiu no centro da cultura urbana brasileira. Resgatar o nome de Lanny Gordin é agir contra a centralização da cultura no Brasil, já que faz emergir das sombras diversos pontos de fuga e desdobramentos que a "história oficial" encobriu em nome de uma idolatria centralizadora.

A guitarra de Lanny muito mais que mero acompanhamento é uma voz que grita do fundo dos porões do inconsciente. Loucura e arte, sexualidade e violência. Transgressão. Forças que atravessam as músicas desintegrando-as. Levando-as ao limite. Fundindo todos os elementos num só, dando coerência ao mesmo tempo em que estilhaça qualquer tentativa discursiva totalizadora. Por agir como elemento dissonante e fragmentador da música, a guitarra de Lanny Gordin não pode ser encerrada em um modelo unidimensional. Sua música extravasa os limites e percorre diversas dimensões pouco experimentadas. É por isso que o resgate de seu nome [e de sua música] age como força reativa à centralização do stabelishment, age como um sopro de vida vindo das veredas mais obscuras da história contra a soberania de ídolos de mármore. Resgatá-lo é reafirmar o tropicalismo como um movimento coletivo transgressor, que batia de frente com certa forma de produção cultural reinante até então no Brasil, e, muito mais que isso, é lançar sobre a memória uma luz que, ao iluminar certos pontos obscuros da cultura brasileira, abre infinitas possibilidades.

Eduardo Pinheiro

Wednesday, November 29, 2006

Raicai Drinks


Mando aí alguns raicais com temáticas de butecos. A idéia tá aberta pra quem também se sentir inspirado por esse ambiente.




Encruzilhada.
Naipe de coração
na carta errada


Fumaça do primeiro trago,
desejos
que não falo


Torresmo.
O filé aos cães
a gordura ao beiço


Dose.
Mais uma
e serão doze


Bituca.
A alma é grande,
a vida é curta


Conversa de bar.
Só não escuto
a patroa chamar


Minha flor de lapela,
ao final da noite
nem mais uma pétala


Meu olho já envenenado - sinto muito!
Guarde seus beijos
no guardanapo

Canções de
embriaguez:
Todo mundo tem sua vez!

Nas mesas,
Serve-se de bebida
à boa vida

Espuma enfeita o copo
Bebo gelado
seu corpo

Entre o sal e
o paliteiro
Ficam presos os desejos



João Gabriel de Freitas

Tuesday, November 28, 2006

Amor de criança

A semelhança das duas, denunciava o parentesco. A mais velha parecia ter 15 anos. Sentou-se no ônibus, com a bebê no colo, naqueles bancos em que ficamos de costas para o movimento natural, assentos que na maioria das vezes são evitados por tonteira ou superstição, mas aquela menina não se importava. Encostou a testa no vidro e olhou pela janela embaçada, como se estivesse mais interessada no passado, ou ainda, como se estivesse de costas para o futuro ou andando mesmo, de ré.
Junto a seus pés ficava uma mala velha, como se fosse um cão velho, cheia de panos de prato ordinários, que logo foi chutada sem querer, ou por ignorância mesmo, por um homem gordo de rosto quadrado. Assim ela despertou e viu que a pequena se lambuzava toda com um pirulito barato comprado no terminal. Era como se ela brincasse de boneca com a pequena no colo. O cuidado de uma pela outra parecia uma brincadeira de irmã até que ouvi; “não minha filha, deixa mamãe cuidar disso”.

Wertem Nunes

A urucubaca vingou


Depois de ler esse tão sincero desabafo, sobre jovens garotos inconseqüentes e uma revista eletrônica, não posso mais guardar o que sei. Para todo mal existe uma culpa, que é a maneira de consolar e explicar quando algo não dá certo.
Quando tudo começou, as tais reuniões secretas, os esboços, o falatório, eles se esqueceram de um detalhe. Um detalhe besta, banal, sem importância. Um detalhe, pois, que lhes traria a ruína. Não por maldade ou por machismo ou por ignorância, mas porque homem não é detalhista. E a sensibilidade deles é outra. Claro que formar um clube de escritores é o sonho de todo rapaz jornalista e só essa vontade moveria (como moveu) muitas palhas. Mas, de repente, não mais de repente, o quesito faltante começou a pesar.
Primeiro porque elas, mais do que ninguém, sabem cobrar, gostam de hora marcada e tudo, e talvez isso agilizaria o processo. Depois porque clamam por atenção, por se sentirem parte ativa (e não meras colaboradoras) da idéia. Casos não se sintam assim, partem para a vingança (lembram do vudu do Cheiro do Ralo? Então.) Sem contar que elas possuem o charme intrínseco à voz e aos gestos que é capaz de convencer qualquer dono de supermercado a patrocinar uma página na internet. E por fim, porque o que seria dos escritores sem suas musas inspiradoras????
Gente, sem querer entrar na intimidade de ninguém ou revelar os surtos de solidão que ora pairam sobre vocês, o que falta (e faltou) ao projeto SÃO MULHERES!
Lorena Maria (a única e abusada criatura do sexo feminino que enfia suas coisas nesse espaço aqui)

Joselitismo:o mal do século


(sobre a experiência surreal com Bnegão)

Cedo, vou atrás dos caras. Bernardo, o Bnegão e Fábio, o produtor. Meio traumatizada com esse negócio de acordar as pessoas nos hotéis, peço que interfonem no quarto. Em pouco tempo descem os dois. Me vem a memória a fala de um amigo “ você sabe como são esses maconheiros. Vão atrasar”. E quase inconscientemente fixo no olho do negão. Não dá pra ver muita coisa por causa dos óculos retrô que ele usa. Realmente é bem largão, e as mãos são bem gordinhas. A indumentária é simples, mas o balanço quando caminha é muito próprio. Tento disfarçar a incontrolável sensação que é estar tão próxima a um artista que você curte. Fica de boa. Boca fechada. Aproximo do produtor que é mais franzino e parece menos ofensivo. O silêncio não é o meu forte e por sorte também não é o deles. Vamos falando sobre o show de Brasília, o festival daqui, ele pede para sintonizar na rádio que tocava ô simpático, funk do filme Quase dois irmãos que eu assisti umas vinte vezes, solta uns comentários bem humorados e o clima vai ficando ameno.
O programa é muito sério para uma ocasião dessas. Não supera muito minhas expectativas (mesmo porque elas são sempre maiores), mas penso que já valeu. Fico tentando decodificar as falas sobre música independente, a história da Dança do patinho, sua profecia de que a humanidade está sofrendo da doença da joselitagem, um non sense coletivo, suas piadinhas sobre músicos top top, os palavrões, as gírias. Percebo um enorme esforço dele para organizar o raciocínio, conter a onda que é intrínseca à sua pessoa. No ar, reclama que seu estômago está roncando. Parece à vontade.
Da ilha recebo um telefonema do diretor da TV(que é fã do cara) convidando para um almoço. Como ele fala muito rápido, empolgado, não entendo se ele quer fazer uma graça ou se é só para forçar amizade mesmo. Presumo que sejam as duas coisas. Por desencargo de consciência, dou um toque no produtor, “é, o cara chamou vocês para almoçar numa churrascaria aqui perto, mas sei que vocês têm que voltar para o hotel”. “Mas é patrocinado? Porque acho melhor almoçarmos por aqui”. Assumo que não entendi se ele iria bancar. Deixamos de lado a idéia, só que na espera pelo carro, a conversa foi ficando boa, pedindo uma cerveja e acabo voltando ao lance do almoço. Para nossa alegria, descubro que o “chefe” queria pagar a farra pra todo mundo. Fomos.
Bnegão começa a história do show que fez com Tony Allen, do lance de tocarem juntos. Ele realmente fala muita gíria, mas engraçado que não é chato. Falou bastante muito. Descobri que, como eu, ele não é bom com endereços e por falar nisso, nos perdemos e daí começo a me arrepender em levar os dois para esse almoço. O “chefe” do outro lado parece alto e quando nos vê chegando, começa o escândalo. “ Aaaaarh, porra, como vocês não me viram. E aí Bnegão?! Aaaaaarrhhh! Vamo descer. Como vai essa força, BÊ? Arhhhhhhh”. BÊ???? Me arrependo. O cara estava completamente embebido no álcool, de boca mole e frases dissolvidas como bem disse o Bnegão. Falava desconexamente, sobre um tal programa “bem Goiás” e da sua viagem ao Rio, e da sua história musical e disso e daquilo. De repente, implicou com o fato do ídolo não comer carne e não tomar cerveja. Vemos ali, personificada, a profecia de Bnegão.
Ele e seu fiel escudeiro ( que a essa altura já havia recebido o codinome de Fabão) se acabavam de rir, enquanto eu e uma amiga nos divertíamos com aquela situação hilária: um almoço, num muquifo, em companhia de um figurão encachaçado e os dois visitantes ilustres. Antes que a coisa piorasse, pedi um carro para nos levar ao hotel. Por fim, numa esquina do centrão de Goiânia, depois de um abraço demorado e sincero de despedida, pude perceber que tínhamos proporcionado aos caras uma fuga da rotina, um momento original que já vai virar história entre as outras do Bnegão. Tomara.
lorena maria

Monday, November 27, 2006

O silêncio das idéias

Num desses rompantes característicos da juventude em defloramento intelectual, Samir reuniu os amigos e decretou: vamos criar um site! Um site de jornalismo em que poderemos escrever sobre cultura, cinema, política e os assuntos aqui da faculdade. Sorrisos brotaram dos rostos dos comparsas. É uma grande idéia. Sim, quem sabe um dia poderemos até ganhar dinheiro com isso, arranjar alguns patrocinadores, interferir nas publicações locais, envolver outras faculdades, em suma, dominar o mundo, praguejava um dos elementos do staff, num misto de pragmatismo e sonho.

A reunião informal se prolongou por mais tempo que esperavam, ali, num dos quadrados de concreto da faculdade. Colunas começaram a ser definidas: “posso escrever sobre isso!”, “vou falar daquilo!”, “não, peraê, cinema e literatura todo mundo quer, né?!” Tá, tá, a gente faz um cronograma de publicação, podemos colocar mais de um texto sobre um mesmo filme, porque não?. E podemos falar de política na segunda, da faculdade na terça, do cinema na quarta, da literatura na quinta, publicar uns contos na sexta e ainda preparar textos especiais sobre grandes personalidades para os finais de semana.

As idéias pulsavam das seis, oito cabeças ali presentes. Sentiam-se geniais só de querer.

Samir servia como um mediador. Acatava uma sugestão. Passava outra pelo sufrágio do grupo. Ponderava opiniões e batia o martelo nos momentos de conflito - “ordem nessa putaria!”. Exercia de maneira informal o papel de editor da futura publicação e já vislumbrava sua fotinha, no departamento “quem somos”, com o rosto sério e o e a cabeça apoiada pelo braço na mesa, com o punho fechado ao queixo, no melhor modelito grandes jornalistas da história.
“Tá, mas e o nome?”, disse um. Dilema. Mil e uma idéias. Minutos tensos de discussão até que chegaram a uma conclusão. Massa!

Agora vamos lá, junta a grana para pagar o provedor, afinal, queremos um site. “Pega logo o de maior espaço, a parada vai ser multimídia, com links interligando imagens, entrevistas em áudio, e logo, logo, vídeos também”, exaltava-se Samir e eriçava os sofridos pelos da cabeça. “Põe nosso amigo da escola pra trabalhar, aí, meu. Enquanto isso vamos escrevendo. Adiantar uns textos, umas crônicas“. Tínhamos pressa de algo que não entendíamos como isso ainda não havia sido feito.

Passa-se uma semana da reunião orgasmática. “Tamo enrolado em galera, vamos botar gás nisso“. De um lado os preços e possibilidades. De outro os primeiros esboços do grande valor da rapaziada: o conteúdo das cabecinhas, quase todas cheias de pelo.

Passam-se mais semanas, passam-se meses. Pobre amigo da escola, ainda hoje tem dividas a receber do site que nunca chegou a entrar no ar. Aos poucos, o assunto passou a ser comentado apenas à boca miúda, vez ou outra alguém retomava a discussão, em rompantes de revolta. Mas nada se comparava à cobrança dos conhecidos, devido à propaganda insistente, mesmo com o projeto apenas flutuando pelas cabeças: “E aquela parada lá de vocêis? Sai ou não sai?”, não cansavam de perguntar. O projeto morreu pela boca. Um ou dois textos. Quatro ou cinco reuniões aqui e acolá. Algumas cervejas e bloqueios intelectuais. “Tô travado!”, dispara Samir. Baque na galera. Seria o fim?

Projetos pessoais foram levados adiante e por fim uma nova confluência: vamos fazer um blog, porra! Vamos parar de falar e criar essa merda logo. Podemos fazer isso, aquilo, aquilo outra e ainda manter isso aqui. De novo, pouco das idéias sobraram. O blog foi criado e ainda a passos lentos.

Uma das políticas iniciais, de ter colaboradores, transformou-se numa diretriz: sem eles, pouco haveria.

Samir, por sua vez, nunca escreveu um texto. Ou mesmo os comentou.

Pedro Palazzo Luccas
João Gabriel de Freitas

Thursday, November 23, 2006

Jesus mata


Mais um malandrão histórico com o pé na cova. Desde segunda-feira o ator Jece Valadão permanece internado numa UTI em estado grave, devido uma insuficiência respiratória.

Tal fato passa a confirmar o grau de periculosidade em ações no final da vida, quando neguim passa a ver Jesus, mesmo tendo conduzido todo o resto de sua vida no grau máximo de desregramento. Muitas vezes o chamado por Jesus acaba sendo tão forte e comovente, que Ele acaba atendendo antes do esperado.

Caso desses bem ilustrativo aconteceu no começo de 2005. Ninguém mais do que Bezerra da Silva decidiu se converter e virar evangélico. Bezerra tentou emplacar e salvar a própria pele dando uma de malandro de Deus e o seu último trabalho, já em pré-produção e que felizmente não chegou a ser lançado, abordaria a vida com boas mensagens além conter alguns sambas religiosos. Deu no que deu, e o malandro acabou virando erva mais cedo que o esperado.

Jece Valadão seguiu na mesma linha. Foi um dos grandes atores da época áurea do cinema brasileiro. Conseguiu imprimir um estilo próprio, o "Valadão Style", quando o assunto era deflorar as cocotas que viriam a ser as musas sagradas da TV brasileira. Mas não só de putaria viveu Jece Valadão, o cara também fez brotar gemas rococós em filmes policialescos. Um verdadeiro Charles Bronson que, ao invés de matar punks para vingar a esposa asassinada, descarregava sua raiva em cima dos broncos que não possuiam a sutileza na hora do trato de uma rapariga.

Em plena produção da Boca do Lixo, de onde surgiram comedores do naipe de Davi Cardoso, Nuno Leal Maia e Paulo César "eu te amo, porra!" Pereio; Valadão conseguiu se firmar na alcunha do MAIOR CAFAJESTE DO CINEMA NACIONAL.

Nos últimos anos, com mais de sententa pesando nas costas e já vislumbrando o rabo do capeta, Jece resolveu atacar de pastor. Abraçou a bíblia fervorosamente e já havia autorizado a produção de uma película retratando toda sua conversão. Novamente a providência divina interviu antes, e o clamor de Jece parece ter repercutidonas esferas divinas, que agora o querem para ser um dos seus.

João Gabriel de Freitas

Monday, November 13, 2006

Poeminha Pruma Época de Extrema Exarcebação Sexual

Eu também gosto
de permissividade,
Garotada.
Mas, aqui entre nós,
E na alminha
Não vai nada?
Millôr Fernandes

Irônico que tenha visto este poema depois de ter passado uma noite suja com cinco pessoas, entre copos, cigarros e acusações. Voltamos todos pra casa, imagino, e a cabeça cheia de tanto falar. Dos outros, suas histórias e a nossa como fica? Se demo-nos por tão puco, onde a gente estava que não aproveitamos nada?
Ah, e contiunua valendo o pacto de silêncio!
lorena maria

Wednesday, October 25, 2006

Algumas coisas nunca mudam

Aos 43 anos sente a gravidade pesar-lhe o rosto. "Tanta merda
tecnológica, mas nada impede ação do tempo." Olha o espelho com
saudade. Vê a olheira, roxa e levemente inchada, como a convalescência
do poder de um soco. Não se incomoda com a aparência, mas preferia
poder optar. Via atrás do reflexo memórias: aquela noite inesquecível.
Tantas outras que pareciam disperdiçadas em conversas sem propósito.
"Propósito pra quê?!" Não se arrepende de nada.

Sai do banheiro para a janela do quarto – quarto-sala, copa, cozinha e
dispensa. Olha pela janela do 158º andar. O céu é laranja e turvo.
Procura carros, mas nada vê. Era uma das poucas "maravilhas" que
esperava do mundo moderno: carros voando. É o que restou dos filmes de
ficção científica dos anos 80. "Espantoso como as coisas mudaram da lá
pra cá."

Olha na palma da mão a leve luz que azulada que indica o visor do
telefone: pensa numa, pensa noutra, mas não liga. Quer sentir o vento
no rosto, mas não há meios de abrir o vidro. Volta ao banheiro e senta
se na privada. Pensa na degradação humana enquanto escorrega as mãos
pelos dispersos cabelos da testa. "Associação." Nada lhe sai.

Sua e se arrasta sobre as pernas até a cama. Deitado, olha para a
janela e constata um céu laranja. De barriga pra cima, fecha os olhos
e consulta na pálpebra as horas.Um toque na parece aciona o aparelho.
"Hora de consumir meu passado." Um toque na parede liga o aparelho, no
teto. Chaves e Chiquinha brincam no pátio. "É, ainda bem que algumas
coisas nunca mudam."

Pedro Palazzo Luccas

Sunday, October 01, 2006

Meu voto e Kafka


Votei e agora recolho no vento as reminiscências do ato.
Lembro-me que atravessei o corredor decaído da escola olhando através das lentes dos óculos a imagem desfocada da vizinhança que deixei na adolescência. Não são somente paredes decaídas, tinturas corroídas, são também corpos, dentes, sorrisos. É o vácuo que separa o aqui-agora da imagem etérea de um passado pouco nítido. Passado reinventado ao contato com a terra do chão da escola, retrabalhado nesse momento mesmo em que busco palavras e construo imagens. Passado que me liga diretamente ao ato fugaz de acionar uma máquina, pois me provoca sensações, me leva de volta à vizinhança em que as carências e as alegrias eram irmãs. Por isso o ato banal de acionar os botões não faz sentido algum, mas me provoca, sacode a poeira que estava acumulada em algum canto da memória. O voto que a democracia brasileira me obriga a depositar em ilustres desconhecidos não significa nada para mim, mas o colégio da vizinhança da minha infância em que voto traduz o anseio e a (des)esperança de milhares de rostos, por isso o ato de votar deposita em meus ombros um peso insuportável. Não porque acredito no discurso da máquina estatal-burocrática, mas pela realidade a qual estou conectado, por toda a relação existente entre a terra vermelha na qual piso, a calçada rachada da qual brota uma erva daninha, a arquitetura da escola estadual e aquele discurso. Com todo esse peso sobre meus ombros acionei os botões e ouvi o ridículo barulho mecânico de uma fagulha que irá somar a tantas outras e que movimentará por mais dois anos (ou quatro, ou oito, ou décadas, talvez séculos) a maquinaria que reproduz tudo aquilo que não acredito, mas que de uma forma ou de outra sou fruto e que faço funcionar.

Esse pequeno texto é um pedido de desculpas à vizinhança que deixei e uma forma de aliviar o peso sobre meus ombros... ao final conecto minhas desculpas à máquina literária de Kafka [uma máquina que faz muito mais sentido, ou pelo menos seu rangido me dá certa segurança, e que ilustra muito bem toda a situação]:

Há uma lenda, que exprime muito bem essa situação: dizem que o imperador mandou uma mensagem para ti, humilde vassalo, sombra insignificante que se encolhe ao longe perante o sol imperial, exatamente a ti o imperador enviou do seu leito de morte um mensageiro. O mensageiro se ajoelhou junto à cama e o imperador segredou-lhe uma mensagem, tão importante era para ele a mensagem que mandou o mensageiro repeti-la em seu ouvido. Com um movimento de cabeça, confirmou-lhe que estava correta. Diante de todos os espectadores de sua morte - foram derrubadas todas as paredes e nas largas e altas escadarias estavam em círculo os grandes do reino - diante de todos, ele despachou o mensageiro. O mensageiro se pôs a caminho imediatamente; um homem forte e incansável, ora com um braço, ora com outro, ele abria caminho por entre a multidão; quando encontra resistência aponta para o peito, onde está o símbolo do sol; ele segue adiante como nenhum outro. Mas a multidão é tão grande; suas moradias não tem fim. Pudesse ele chegar ao campo aberto, depressa voaria, e em breve ouvirias o magnífico bater de seus punhos na tua porta. Mas ao invés disso, como é inútil o seu cansaço; ele ainda abre caminho através dos cômodos no interior do palácio, nunca mais conseguirá superá-los; e se conseguisse, de nada valeria, ele precisaria descer pelas escadarias, e se conseguisse, de nada valeria, teria ainda que atravessar os pátios, e depois dos pátios, o segundo palácio interior; e de novo escadas e pátios; e de novo um palácio; e assim durante milênios; e se ele despencasse finalmente do portão mais externo, - mas nunca, nunca isso pode acontecer - a cidade imperial estaria diante dele, o centro do mundo entulhado, cheia de seus sedimentos. Ninguém passa por aqui, muito menos com a mensagem de um homem morto. - Mas tu sentas em tua janela e sonhas com isso, quando a noite chega.

Carlos Eduardo Pinheiro

Wednesday, September 27, 2006

Índios, assim como nós



Eu não sei bem por onde começar. Eu também não sei bem o que eu esperava dessa viagem para aldeia. Talvez uma cura miraculosa. Talvez um desvio de atenção. Confesso que agora estou um pouco deformada com tanto pensamento. O encantamento tem dessas coisas. Mas vamos ao que precisa ser dito. No meio do cerrado, imerso na areia seca e entre as árvores retorcidas, moram os índios krahô. Foi lá que fomos parar, com nossos entulhos e apetrechos de sobrevivência. Uma viagem longa, cruzando o Rio Tocantins e passando pelas estradas mais precárias. Do primeiro encontro, nada muito abrupto. Eles, já bem acostumados com a presença das branquelezas, nem estranham como nós. Falam nosso português, mas entre eles só a língua mãe, o que lhes permite falar o que quiserem sem que entendamos nada. Adotaram algumas manias nossas de relógio, energia, água encanada, banda Calypso e muita roupa (o que é uma pena, porque naquele calor, tudo que eu mais queria era me desnudar).
Vivem numa situação de miséria (segundo nossa concepção), pouco plantio, muitas bocas. São reféns de um assistencialismo típico da piedade colonialista e já comungam das relações de troca dos homens “civilizados”. Isso, claro, teceu um nó gigantesco em nossa cabeça, porque queríamos de uma forma ou de outra os índios dos nossos livros. Queríamos que eles não soubessem das coisas, queríamos a ingenuidade, a vida simples, porque nutrimos uma espécie de nostalgia do primitivo (e quer primitivismo maior que a fome?). Eis, então, a primeira decepção, que veio acompanhada de um sentimento de culpa por achar que interferimos na cultura deles. Mas a interferência não acontece a todo instante? Cultura não é essa coisa louca, dinâmica e antropofágica, que deglute costumes, hábitos, idéias e vai agregando experiências? Não vou entrar nessa questão, porque só tenho formulações. Muitas coisas mudaram. Outras permanecem. Na língua, nos cantos, nos ritos, na “rotina”, no trato, nos olhares fixos com qual nos encaram ou encaram a objetiva da câmera sem pudor algum. Aliás, um olhar carregado de uma força que não se explica.
A nossa incumbência, nessa viagem, era levar os aparatos técnicos de registro e comunicação interna. Sem muita cerimônia, eles se entrosaram com aquela parafernália de máquinas e gravadores digitais e o diabo a quatro. E, de repente, surgiam filmando os rituais de cantorias, as corridas de toras, fotografando mulheres, crianças, numa atitude muito comovente, mas que contraria o nosso desejo de que eles adotem nossa mentalidade. Preocupação compreensível, porém, tardia e talvez até desnecessária, porque o processo corrosivo de dominação, que se iniciou com a invasão dessa terra e foi se disseminando Brasil afora, é irreversível. O pouco que se pode resguardar e manter vivo, já parece muito.
lorena maria

ps: foto provisória....aguardem as outras

Friday, September 22, 2006

Também tô no Youtube

Acham que é só o Aflredo, o Renatim e o Gil que aparecem no Youtube. Eu também tô no Youtube -- no bom sentido.
Aliás, conhecem a tirada do momento? Não? Ih, então "tomou no Youtube."
Chega de delongas. Tô nesse link aí embaixo. Ao lado do então governador Marconi Perillo e de um bocado de jornalistas. Atenção. O vídeo está aí para que me vejam. Mas antes que me acusem coloco um link do Maguito e o pacto com satanás

Eu e Marconi

Maguito e o capeta

Divirtam-se.

Pedro Palazzo Luccas

Mania de grandeza

Os políticos goianos sentem-se os donos do mundo. Acham que nosso
Estado -- que adoro, mas reconheço ter pouca importância no cenário nacional -- é de fato o novo eldorado. Tomara que seja. Mas, hoje, não é.
Fazia ontem matéria sobre o mapa da violência, divulgado pelo Ministério da Justiça. Ele aponto Goiás como o 4º maior em ocorrências de mortes violentas. Foram 46 assassinatos por 100 mil habitantes. O Rio lidera.

Pois bem, escrevinhei meu singelo texto e foi repercutir a informação com a Secretaria Estadual de Segurança Pública. Falo com a assessora, que desconhecia os números e acha estranho Goiás e não São Paulo estar no topo. Passo o link e peço para falar com o secretário. Quarenta minutos depois ela me retorna com um telefone e uma tese: "Isso é benéfico para a oposição, não acha?"
Respiro fundo.
Falo: "Até poderia ser. Mas, convenhamos, Goiás representa muito pouco no cenário nacional. E, não se esqueça, a pesquisa é do Ministério da Justiça com dados daí da SSP-GO.
- "É, mas o governo aqui é PSDB..." (era, agora, pelo menos em tese, é PP, penso.)
- Sim. Mas como você mesma reparou São Paulo está muito bem nessa pesquisa. Um dos menores índices. Um prato cheio para Alckmin.

Ela ainda balbucia alguma coisa que eu ignoro.
Ligo para o secretário, que mal espera eu apresentar os dados. Já fala logo da tese conspiratória. Repito meus argumentos, já sem paciência. O homem não quer papo, sugere: "Eu acho que vocês não deveriam publicar isso. Vai jogar pra cima coisa antiga que vai ser usado pela oposição" (amigo, desculpa, eu quero que oposição e governo se explodam, certo?)
Explico o valor da informação. A dificuldade de se colher dados que eles mesmo demoram a repassar e se tabular números. Ademais, 2006 nem acabou, raios!, os números seriam de quando.

O homem argumenta que não quer comentar, que assumiu em 2006 e os números ja melhoraram bastante, mas não queria criar animosidade nos grupos do governo. Mais uma sugestão: "Você pode colocar aí que eu não quis comentar. Aliás, que você não me encontrou."
-- Aí, não, secretário. Não posso sonegar a informação de que estou falando com você
-- Sou repórter. Não derrubo matérias. Se não quer falar, tudo bem. Vou continuar a escrever
-- E quem derruba. (Aqui eu já sabia que podia ir embora mais cedo)
-- Editores, editores-executivos.

Ele disse que ligaria para o diretor de redação. Aviso aos executivos, os únicos do áquario no local, que a matéria seria derrubada, mas que continuaria a fazê-la.

Três minutos depois o recado para meu editor, que intercepto: "A matéria foi derrubada por inteiro."

O dono do jornal usou os mesmos argumentos do secretário para se zangar com a reportagem. Estendo a mão a um dos meus chefes e digo: Até domingo, dia do meu plantão.

Segue abaixo a matéria censurada. Ficaria até maior. Mas, em suma, é isso.


VIOLÊNCIA
Goiás entre os líderes

Estado tem 4º maior índice proporcional de mortes violentas, com 46 ocorrências por 100 mil habitantes. Média nacional é 30.

Goiás é o quarto estado do País com maior número de crimes violentos letais, como homicídio planejado e roubo seguido de morte. São 46 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes. Em 2005 registrou-se 2.584 ocorrências, numa população de 5,6 milhões de habitantes. Rio de Janeiro lidera o ranking, com 61,5 casos por 100 mil moradores, seguido de Pernambuco (58.2) e Paraná (57.4).

A pesquisa foi divulgada pelo Secretaria Nacional de Segurança Pública com base em estatísticas das secretarias de estado e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A media nacional de 2005 é de 30 ocorrências por 100 mil habitantes. Tanto no Brasil quanto nos estados, inclusive Goiás houve ligeiro aumento na quantidade de registros (veja box) de 2004 para o ano passado.

CONTRAMÃO -- Goiás está na contramão da média nacional: em 2004 registrou-se 30.5 casos no País. No Estado aconteceram 43.1 casos catalogados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP), que enviou 100% dos dados pedidos pela Senasp. Enquanto os números daqui subiram a média nacional, que já era de mais de dez casos de diferença, ficou ainda maior. Apesar disso, a unidade federativa se mantém em 4ª no ranking geral.

O líder Rio de Janeiro está a 14.5 homicídios por 100 mil moradores de distância de Goiás. O estado da região sudeste tinha em 2005, segundo dados da Pesquisa Nacional de 15 milhões de habitantes. São Paulo tem um dos menores índices, 18.9. A unidade federativa menos violenta, de acordo com os dados da pesquisa -- que so conta mortes registradas pela Polícia Civil -- é o Piauí, com 9.7 casos em 2005.

Crimes violentos letais e intencionais em 2004 (ranking de ocorrências por 100 mil habitantes)*

morte p/ 100 mil população ocorrências
1. Rio de janeiro 65.6 15.033.317 9.859
2. Pernambuco 57.7 8.238.849 4.757
3.Rondônia 46.4 1.479.940 686
4. Goiás 43.1 5.402.335 2.329
5.Espírito Santo 42.5 3.298.541 1.401

Brasil 30.5 179.108.134 54.696

Crimes violentos letais e intencionais em 2005 (ranking de ocorrências por 100 mil habitantes)*
morte p/ 100 mil população ocorrências
1. Rio de Janeiro 61.5 15.383.422 9.467
2. Pernambuco 58.2 8.413.601 4.898
3. Paraná 57.4 10.261.840 5.886
4. Goiás 46 5.619.919 2.584
5. Rondônia 42.9 1.534.584 658

Brasil 30 184.184.074 55.312

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Crimes violentos não letais contra pessoas em 2004 (ranking de ocorrências por 100 mil habitantes)**

ocorrência p/ 100 mil população ocorrências
1. Acre 81.1 614.205 498
2. Amapá 73 553.100 404
3. Mato Grosso do sul 65.8 2.198.640 1.446
4. Roraima 64.7 367.701 238
5. Distrito Federal 62.2 2.233.614 1.390

9. Goiás 44.1 5.402.335 2.381

Brasil 34 179.108.134 60.931


Crimes violentos não letais contra pessoas em 2004 (ranking de ocorrências por 100 mil habitantes)**

ocorrência p/ 100 mil população ocorrências
1. Roraima 77.2 391.318 302
2. Acre 66.4 669.737 445
3. Mato Grosso do Sul 66.3 2.264.489 1.502
4. Rondônia 63.1 1.534.584 969
5. Rio Grande do Sul 61.1 10.845.002 6.629

9. Goiás 47.7 5.619.919 2.682

Brasil 34.6 184.184.074 63.565


Legenda:
* homícidio doloso, roubo seguido de morte, lesão seguida de morte e mortes a esclarecer
** Crimes violentos não letais: tentativa de homícidio, estupro, atentados violentos ao pudor e torturas


Fonte: Ministério da Justiça / Secretaria Naciona de Segurança Pública (Senasp) / Secretarias Estaduais de Segurança Pública / Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)



Pedro Palazzo Luccas

Monday, September 18, 2006

A queda de um líder


Uma história de calor, diversão, honra, derrota e honra nos confins de Salvador



Não importa se é dia ou noite, as ruas de Salvador são sempre quentes. Um calor abafado, úmido e salobro. Sorte dos turistas desacostumados com tal clima que a brisa, ou melhor, os ventos alísios refrescam o ambiente. Ou pelo menos impede que suem em bicas.

Além do alento natural, a que se observar a necessidade de repor os líquidos e sais minerais perdidos nas caminhadas pelas intermináveis ladeiras do Pelourinho e de demais regiões turísticas da cidade. Esse esforço marcou um grupo de jovens, em Salvador para fins estudantis e, principalmente, turísticos.

Da semana que passaram na cidade quase não descansaram. Ninguém queria perder um minuto de praia -- moravam a pelo menos mil quilômetros de cada pontinha de mar. O dia começava cedo e o grupo seguia quase cegamente sob a batuta do grande Bob. Bob tinha o dom natural da liderança.

Era ele quem dava a palavra final sobre os destinos dos jovens deslumbrados. Como bom democrata, consultava a todos. Em face de opiniões divergentes dava a palavra final: mais uma prova do senso de liderança.

Depois de uma tarde de morgação na tentativa de se recuperarem da noitada anterior, o grupo decide seguir para o Pelourinho. Antes passariam no famigerado Elevador Lacerda. Acontecia na praça em frente ponto turístico um ato estudantil que gerara discussões acaloradas e opiniões divergentes entre os membros.

Alheios ao ato, seguiram para o Pelô junto ao por do sol. Quinze, vinte pessoas num coletivo cheio de gente cansada e fadigada por mais um dia de rotinha. Mas para eles, não, tudo era novo. A empolgação só ficava contida pelo calor e o cansaço.

Depois de uma quase uma hora no ônibus e de frente a morfeu, enfim os estudante chegam ao portal do Pelô. O cansaço vai vagarosamente sendo substituido pela alegria de conhecer o novo. O ato tinha chegado ao fim e eles poderiam curtir sem preocupações.

Grande líder Bob, sedento, compra naquela lanchonete onde o pingado representa um perigo real uma garrafa daquelas vistosas de líquido energizante Gatorade. Sabor morango. Um uma delícia, geladinho, dizia a feição do líder. O negócio estava tão gostoso que o bocal da tampa foi descartado, só pra que o líquido fluísse mais rápido.

Trinta passos, cinco centavos na catraca e quatro bons goles. Bob e seus intrépidos amigos passaram pelo curralzinho e já estão diante o elevador lacerda do lado direito de quem desce. Uns cinco ou seis baianos esperam o transporte com cara de preguiça. Do lado de fora da cercania, um garoto maroto (perdão pelo trocadilho cafajeste, não resisti).

"Ô, tio, me dá um golinho?" A turma toda estava cansada. Poucos viram a exitação do líder. Foram frações de segundo em que ele olhou para a adocicada bebida e para o garoto. Uma criança dessa não pode fazer nada de mal, pensou. A hesitação, por certo, era da boca, que há muito não devia ver uma escova.

Entregou o Gatorade ao garoto, quase sem retornar o braço, pronto para pegar de volta.

Um. Dois. Três. Quatro. Cinco.

Cada segundo era um passo da criança rumo à liberdade das ruas. Peco em não lembrar, mas creio que ele teve a dignidade de agradecer.

Esses segundos foram uma eternidade. O riso, não, não, a gargalhada cumplice veio acompanhada do dedo em riste na direção de Bob. Toda a liderança desmoralizada em cinco segundos. Por uma criança. Depois de refletir as testemunhas concluem que só mesmo uma criança teria esse poder.

Aquele rosto é indescritivel. Um misto de raiva e compaixão, característico dos grandes líderes populares. O franzir das sobrançelhas é o reconhecimento da derrota. Elevador abaixo em alta velocidade, Bob encontra amparo nos braços de Iracema. O pensamento, só estava em um lugar: como estaria gostoso aquele último gole de Gatorade.

Pedro Palazzo Luccas

Tuesday, September 12, 2006

O restinho do presidente


Novamente as eleições. Eu já tinha prometido ficar de férias desse assunto, porque sofro com tanta insanidade, mas de tanto fugir é que dei de cara. E a merda é que a política envolve. Você toma partido, você se ofende com os comentários no ônibus, começa a discutir no supermercado e por aí vai! Mas percebo que a descrença tornou-se domínio público. Ninguém tem saco para esse formato antigo de política. E não é por pouco.

Hoje, uma senhora veio me dando uns conselhos ótimos no ônibus : "Eu acho engraçado que eles falam pra escolher certo, não desperdiçar o voto. Mas me diz quem acerta? Porque a gente vota tentando acertar, mas nunca dá certo. Se pudesse votava nulo pros político vê que a gente não quer eles lá!" Invejei seu discernimento!

Urubuzando

Quem jornaliza nessa época, vê cada maracutaia. No debate realizado na TV, os candidatos quase se estapeando no ar e depois riam e batiam um bom papo de amigos nos intervalos. Sem contar nas tretas mais descaradas em que eles enfiam a cara. E o vexame não fica só por conta deles. Os jornalistas me saem com umas perguntinhas mais descabidas e tendenciosas, que convenhamos, faltam pregar o adesivo da coligação para entrevistar os caras! Sejamos discretos, já que éticos....
Ontem o presidente da república apareceu por aqui. Eu, por mera curiosidade, fui cobrir. Particularmente, achei tudo muito estranho. Aquele salão de luxo, aquele mar de gente com um adesivinho lula-maguito que mais parecia uma cápsula de resfenol! Que dança de rato é essa? Lula apóia Maguito que é contra Barbosa que apóia o Lula. Comentei com um amigo que aquilo era constrangedor e ele me diz: não mais que Lula e Newton Costa. Haja estômago!

Depois de uma hora e meia de espera, ao som de um jingle de péssimo gosto (eu tôcansado de ser levado no bico, xô passarinho, o meu voto é no Maguito), um locutor de rodeio anuncia a trupe: Íris, Maguito, Tarso Genro, Ney Moura, Marta Suplicy e o presidente. O Íris abre com uma pregação eloqüente. Depois vem o Ney, personificando o caricato político de Saulo Laranjeira. Em seguida, entra a vice de Maguito, a psicóloga de auto ajuda Onaide Santillo. Eufórico, o Maguito, encarnado nele mesmo, arregaça a garganta para tentar convencer.

E para o gran finale vem o presidente, que até então estava compenetrado assinando uns papéis, de costa para a massa peemedebista, enquanto seus amigos lhe falavam. Usou os mesmos macetes: citações, frases de efeito e futebol! A coletiva foi cancelada e eu, pensando que talvez o Lula tivesse ido ao banheiro, tento sorrateiramente invadir a área vip, enquanto o jornalistas cercam o Maguito. Nem sombra de presidente. Só restou ir furtar um resto de quitutes que os candidatos haviam deixado no coffee break.

Depois dessa dose forte de politicagem, eu tenho pensado seriamente em poupar os políticos que ainda não se "adesivaram" com o poder. Temo muito em colocar esses distintos senhores na "máquina mortífera", engessada e corrompida do sistema político. Não adianta ter bom coração, caráter e governabilidade. Já dizia Frei Beto, governar não é ter poder. Então por que estragar a vida de um cidadão politicamente correto com um mandato, né não?!


Lorena Maria (repórter da tv cultura rs)

Ah, ao menos me rendeu uma matéria no portal Terra! O nome é da minha superior mas o texto é meu. Não compensa muito ir lá, mas de qulaquer forma:
http://multimidia.terra.com.br/jornaldoterra/eleicoes2006/interna/0,,OI81379-EI5767,00.html

Saturday, September 09, 2006

Geralllldo!!!!!


Angar do Aeroporto de Goiânia, 04/09 - 15:30 . Na entrada, alguns cabos eleitorais pingados flanulam displicentemente suas bandeiras numa tentativa de recepção nem tão insossa. Nada demais, afinal, nem todos arriscaram recepcionar o Geraldo no desembarque para extrair pronunciamentos exclusivos.

Acompanhava a Fabiana Pulcineli, repórter de política do Popular, e juntos esperamos mais de quarenta minutos pela chegada do avião vindo de Jataí: matando copinhos de água morna e tentando decifrar informações de rostos desconhecidos.

No saguão, quem se destacava era um grupo que estufava o peito demonstrando o adesivinho minúsculo e vagabundo com o rosto de Alckmim, juntamente ao lado de um brasão portentoso com o número 15, circunscrito com a frase "Uma Nova Onda".

Uma atitude dúbia e muito comum de comitês jovens de partidos, que costumam lançar movimentos non sense, sem qualquer repercursão. A dúvida na cabeça da galera era evidente: Quem eram os estranhos no ninho tucano?? Até que Fabiana perguntou sobre o que se tratava tal manifestação para um dos rapazotes que tinha o peito decorado. Solícito e forçando uma ar de naturalidade, o carinha explicou que se tratava da frente Maguito(PMDB)- Geraldo(PSDB), encabeçada pelo Mauro Miranda. "Tem mais de cinquenta ali atrás, juntos com o Mauro", reforçou. Na verdade, não passavam de vinte, todos jovens, sorridentes, fazendo piadinhas e circulando em volta de um Mauro Miranda sexagenário.

Enfim, o Avião:

Descem junto com Geraldo: Lúcia Vânia, Alcides e Marconi. É primeiramente vetado o avanço dos jornalistas, contidos na porta do saguão e acalmados por uma promessa de coletiva logo após uma rápida reunião. Ao passar pelo salão, Geraldo (primeira impressão: mais baixo e mais curvado do que a figura televisiva) é recepcionado por duas mulheres - balzaquianas, perfumadas e envoltasem um figurino muito além do a situação requeria. Ambas são abraçadas e beijadas por um Geraldo mauricinho que numa tentativa de forjar um ar mais galanteador pronuncia : "PODEROSAS!!".

Neste momento, ao fundo, Cidinho passava reto sem cumprimentar ninguém e encarando rapidamente a imprensa com aquele olhar meio acuado(sempre de baixo para cima). Os recém chegados e mais alguns deputados tucanos, que também estavam em Jataí, dirigiram-se a uma sala do angar onde se encontrava Mauro Miranda e sua trupe sangue-novo. Não se sabe o que se tratou ou as formas de tratamento que se deram por lá.

Chega então o momento da coletiva. Posicionado em frente às câmeras e gravadores, descontraído, Geraldo tenta uma piadinha: "Oi, eu sou o Geraldo!".
Ao seu lado esquerdo, o ex-governador Marconi Perillo, e, logicamente em seu lado direito..........Leréia!!!

Não sei se avisaram enfaticamente ao Cidinho (candidato ao governo do estado) que o Leréira(deputado estadual do PSDB) estava na área. É lógico que ele sabia, mais acho que só foi perceber realmente a presença do parrudo deputado quando este já ocupava seu lugar ao lado de Geraldo na coletiva.

Leréia é um dos parlamentares que melhor sabe se posicionar em eventos políticos. Ocupa bem os espaços, abre caminho fácil em multidões, não é deslocado com qualquer empurrão. Seria um centro-avante de destaque, sempre no local certo, onde a bola acaba sobrando na área. Foi necessário Marconi, rapidamente, intervir e já no início das filmagem puxar Cidinho, perdido no fundão, para a linha de frente.

Já devidamente posicionados, Alckmin se destacava sendo o ponto pálido entre os demais.Vestia um casaquinho beje, sem graça, como um senhor com frio que sai pra comprar pão pela manhã.
Poucas perguntas, respostas já mastigadas e, quando de fato precionado, proferia evasivas (como ao tratar a crise local entre PFL e PSDB, que apenas enfraquece sua campanha - como vem acontecendo em outros estados).
"Não há crise, o PFL compareceu em Jataí, com o Vilmar Rocha", saiu-se com essa.

Centro de Convenções:

Local do discurso. De onde todos partiriam para a passeata pelo centro da cidade.O carro chega arrastando os que se posicionaram na porta dos fundos do complexo, para a receptividade. Pelo corredor humano formado, passa a pick-up trazendo Cidinho e Geraldo. O carro de Marconi ficou logo atrás, impossibilitado de passar. Necessitou Perillo saltar do automóvel e sair correndo atrás do carro principal, junto com cabos eleitorais e repórteres que viam gradativamente os portões se fechando.

O pavimento inferior do Centro de Convenções se encontrava lotado: cerca de duas mil pessoas, de acordo com a polícia militar. Um aglomerado não muito heterogêneo, formado em sua maioria por cabos eleitorais e funcionários públicos comicionados.

Após os agradecimentos de Lúcia Vânia (neste ano, responsável pela coordenação da campanha de Alckmin em Goiás), Marconi tomou posição no palanque. Rouco, pediu inicialmente palmas para Geraldo, e que todos gritassem juntos: Ge-Ral-Do!...Ge-Ral-Do!..... Sendo seguido pela platéia.

Fez o mesmo com Cidinho: Al-Ci-Des!...Al-Ci-Des!..... Neste momento, todos os convidados sentados na primeira coluna, de mãos dadas, levaram Alcides à frente do palco, para que o candidato canalizasse a energia e a responsabilidade do evento.

E tão logo Perillo deu início as primeiras palavras, o público, instintivamente, recomeçou o coro: Mar-Co-Ni!........

Mesmo com a voz rouca, o ex-governador conseguiu manter uma animosidade em seu discurso. Trechos incendiários, em que touxe para si a responsabilidade do renda cidadã e bolsa escola, programas copiados pelo governo de São Paulo. Frisou: "O Geraldo reconhece que a idéia desses programas vieram de Goiás". A bem da verdade, em suas propagandas, Alckmin creditava a si a elaboração dos programas.

Resgatou-se Mário Covas, que passa a ser trabalhado pelo PSDB na tentativa de elaboração de um mito tucano. "O Geraldo é da escola de Mário Covas".

Fez desafios e promessas ao "futuro Presidente", pedindo a conclusão da Ferrovia Norte-Sul e a criação de mais duas universidades federais em Goiás(em Jataí e em Catalão).
Elencou todas as áreas: produtores rurais, segurança pública, saúde...Falou cerca de vinte e cinco minutos, até não mais restar resquício de voz.

Restou ao Cidinho a difícil tarefa de manter o tom de animação. Algo complicado para alguém que ainda se sente desconfortável sobre o palanque.

Transparecia no discurso do pepista a falta de cacoete político e o desejo imerso de que aquilo terminasse o mais rápido possível. Discursou por cinco minutos, apenas reiterando aquilo que já havia sido dito. Tentou arrancar aplausos em momentos de euforia claramente ensaiados, que perdem, por si só, a naturalidade.

Embarcou na onda de Geraldo e seu choque de gestão, sem realmente dizer quais seriam as ações. Referiu-se mais aos seus companheiros do que a ele próprio (bem característico de tímidos que se envergonham ao falar bem de si mesmo), e fechou reafirmando seu desejo em ser o instrumento da continuidade, frase cunhada duas vezes antes de deixar o microfone.

Geraldo , agora sem seu casaquinho beje e com as mangas da camisa arriadas refletia aimagem do genro que toda nora pediu a Deus: limpinho, de boa procedência, munido com frases bem trabalhadas... E já que Lula quer ser Getúlio Vargas, Alckmin se apega então a JK, relembrado o homem que em Jataí, há 51 anos, anunciava a criação de uma nova capital no cerrado.

Na porção final do discurso, e para alívio dos aliados, passou a despejar críticas mais duras contra o PT e de forma mais direta contra Lula - sem esquivas ou meias palavras.

Contra o pífio desempenho das pesquisas garantiu:
"Agora que a campanha tá começando, agora que o voto começa a ser decidido!"

E voltou-se contra a imprensa numa enigmática declaração:
"Eu tenho visto companheiros da imprensa de pouca fé. Esse povo de pouca fé teve um tira-teima hoje aqui em Goiás. Hoje é a prova de que o país( referente às pesquisas) vai mudar"

Finalizou o com o trecho da música de Gil: "Sonho que se sonha só é só um sonho, mas um sonho que se sonho junto se torna realidade"...
Comprovando o seu distanciamento com o povo ao buscar frases bem encaixadas, mas que não conseguem chegar até um nível de sentimento profundo do povão. Duvido se após quinze minutos, alguém da platéia conseguiria reproduzir a frase de encerramento do discurso de Geraldo.

Pernadas:

Grande parte da bancada tucana e mais alguns jornalistas se expremem no momento de descida do Centro de Convenções para a passeata pelo Centro. Seguranças fazem seus serviços isolando os candidatos à forceps. Tensão. O grupo principal deságua à frente. Tento achar Fabiana no meio do bolo e acabo ficando para trás.

No momento de afunilamento para passar pelo portão, inicia-se ao meu lado um desentendimento de um cabo eleitoral com um engraxate bronco, que acabou sendo empurrado sem querer. Justo quando ninguém conseguia se deslocar de acordo com seus interesses, sendo simplesmente levados pela massa, o engraxate entra em crise de fobia e começa a gritar, armando o braço para um soco: "Não me encosta porra! Não me encosta!!" - como se isso fosse possível.
O desespero do cabo eleitoral, logo atrás, sob a iminência de um soco, foi aliviado por outros militantes que impediram a pancada.

Passado o aperto do portão, a massa cai na rua velozmente. Nesse momento, o cume da passeata já se encontrava a mais de uma quadra de distância, e em ritmo acelerado. Tendo alcançar a linha de frente e atravessar a baderna de bandeiras que flanulam sem se preocupar com cabeças alheias. O turbilhão parece te envolver impossibilitando que se escape do tumulto. Sinto como se pegasse uma onda quebrada e mesmo tentanto chegar a superfície, não conseguisse sair do caldo. Foi preciso uma volta por fora, em ruas paralelas, para vislumbrar a passeata pela frente, longe da arrebatação da massa confusa.

Nas ruas do centro e nos prédios em volta houve pouca comoção. Apenas alguns comerciantes e os já tradicionais habituês do centrão, observando introspectos o aceno de braços. Muito mais curiosidade do que apoio político em si. De algumas janelas pessoas acenavam, poucas, outras arremessavam papeis picados(que podem ter sido feito pelos próprios comitês).
Produtoras em pólvora tentavam captar rostos mais animadinhos pelas calçadas ou algum garotinho no ombro do pai, com uma cara de aceitação pura e incontestável. Coisa difícil!

O destaque ficou por conta de uma velhinha que, ao chamado de Marconi, partiu em disparada da calçada rumo ao abraço dos candidatos, no centro do tumulto. Atravessou rasante e chegou aos braços de Alckmin, sendo fortemente abraçada e já deixada para trás, devido o ritmo incessante da caminhada. Até então, não se sabe sobre seus resquícios. A velhinha foi engolida pela turba e talvez tenha virado poeira urbana.

Ao final da Rua 3, próximo ao Eixo Anhanguera, a dispersão se dá de forma rápida e sem cerimônias. Sem acenos ou palavras finais. Candidatos adentram seus veículos e disparam. Pronto!

Já dentro do carro rumo à redação, recosto no banco e uma sensação de alívio acompanha o pôr-do-sol. Alguns flashes retrospectivos pipocam desordenados, um cansaço gostoso nocorpo, mas nenhuma música me vem à cabeça neste momento.

João Gabriel de Freitas

Thursday, September 07, 2006

A importância de saber ler e escrever!


Se não me escutam, eu falo com o papel e a caneta!!!

Poder vivenciar o dia a dia de uma "grande" cidade, como Goiânia, é uma experiência e um aprendizado incalculável.
Vamos ao caso deste cidadão da foto.
Já estou acostumado a vê-lo pelas ruas do centro passando pelos pontos de ônibus a pedir algo ou simplesmente sentado a conversar com si mesmo...

Quando eu o percebi ali, uma moça tomava de suas mãos a caneta que tinha lhe cedido, pois seu ônibus acabava de chegar. Ele me vendo com uma mochila escolar, logo em seguida, me pediu uma caneta emprestada. Como sempre perco minhas canetas e já me acostumei a carregar um monte, falei que podia ficar com aquela. Ele agradeceu sorrindo e voltou para sua concentração.

Em outras situações, muitas pessoas, não todas, acabam saindo de perto ou olhando com desconfiança quando ele se aproxima.

Mas ele, a meu ver, nem percebe. Continua em seu mundo, sem notar o que se passa ao redor! Ou então está tão acostumado que não se incomoda mais.

Nesta sociedade excludente onde o diferente é separado, seja por meios institucionais ou pelo olhar discriminatório das pessoas, o alento da escrita consegue dar forças para encarar e diminuir este tipo de preconceito.

Como é bom escrever nos momentos de descrença e tristeza. Poder expor no papel, ou no computador, nossas alegrias e vivências.
O poder da escrita não se compara com nada, é uma coisa de dentro da gente que nos ilumina e regenera...
Foi justo o que eu notei quando me deparei com este homem escrevendo. O prazer, a vontade, a determinação estavam escancarados em seus gestos e em seus olhos. O barulho das conversas ou dos ônibus não tiravam sua concentração. Nem o flash da câmera ele percebeu. Nada o tirou daquele momento prazeroso e saciante da escrita...

Fiquei muito curioso para saber o que estava sendo escrito naquelas linhas, mas não quis interrompê-lo. Preferi deixá-lo do jeito que estava, imerso em seu universo.
Depois de quase meia hora meu ônibus chegou, e lá ele continuou sem perceber minha partida... Só pude me despedir mentalmente. [Até mais e obrigado!].

Vasconcelos Neto

Monday, September 04, 2006

Passageiro [remixmodeon]


As notícias cotidianas chegam como um ruído aos meus ouvidos. Ligo uma música. O pequeno suspense das notas graves é suavizado pela melancólica síncope no piano. Esse jogo é levado em crescendo até que suaves acordes de uma guitarra entram em cena favorecendo a vizualização de um ambiente mais intimista. Intimismo em amplas galerias. Cavernas e pubs, ecos da aventura humana na América. O piano volta à cena, as pulsações do baixo podem ser ouvidas por entre as ligeiras frestas. Um silêncio preenchido pela imaginação. O piano cessa. Quem me conduz agora são os sons graves, quase inaudíveis, por isso mesmo delíciosos, do baixo. Esse som grave carrega meu corpo com um roçar, sinto-me, em segundos, leve, flanando entre becos esquecidos de alguma cidade chuvosa onde observo a frágil tristeza dos transeuntes, a violência voraz dos automóveis, a vertigem dos arranha-céus - saboreio morangos. Uma criança com roupas vermelhas me observa. A insistência de alguns acordes servem como mote para o suave retorno. O som do piano, não mais sincopado, ameno, belo, me ampara em seus braços. Retorno com um sabor agridoce em meus lábios.

Levanto-me e saio. Ouço o ruído das notícias descer pela sarjeta das ruas do meu bairro. Sigo subindo a rua [o vento por aqui é mais frio]. A pequena solidão de observar o cotidiano de pessoas desconhecidas me deixa alegre. Continuo o meu caminho por entre as ruas vizinhas e a contente sobriedade das casas pequeno-burguesas, olho de soslaio para a sarjeta e sorrio.

Carlos Eduardo a.k.a contra

Friday, September 01, 2006

Poemas para determinados instantes

No outro dia

A fumaça ainda na garganta.
O álcool ainda na saliva.
A boca quente, os olhos pálidos,
Cheios de lágrimas que não caem.
Tudo dormente. A alma pesa,
Presa ao corpo sujo.
Doem os músculos.
Os cheiros vêm, as cenas passam.
Tudo suspenso no ar.
Tudo deseja não acordar

Térreo
Desencontrada.
Sem chão de estrelas,
nem ponte, nem lona. Despejo.
Perdida em todas as esquinas.
Indigente de si mesmo.
No espelho, o que vê são outras
Chega o frio, enrijecendo o riso.
Cada dia mais rouca.
Na rua, a voz não ecoa.
Sobras do passado não se requentam.
Lorena Maria
(ou quem sabe um pseudônimo?)

Tuesday, August 29, 2006

Tempos em tempo

O compasso do relógio marcava o ritmo da angústia crescente, cada vez mais escura e pesada. Os olhares dispersos pelos cantos do quarto, da sala, do banheiro, pendiam-lhe a cabeça. Lamúrias e lamentos em meio à bagunça das quatro paredes amarronzadas. Nunca tinha lhe parecido tão difícil se arrumar. Pensar que as coisas se encaixariam mais facilmente em meio ao hermetismo medíocre das neuroses. Besteira!

O tempo não passava. Nem toda a diversão do mundo parecia-lhe o bastante. Mas, é isso aí, pensava. Demora, mas, sim, o tempo passa. Passa e traz novas e velhas novidades. Restava-lhe esperar por elas. Só não sabia se o ideal era esperar ou correr atrás. Tanto comodismo... Tudo parecia tão trabalhoso. Ter que traçar estratégias e medir palavras o cansava.

Cada acorde mais agudo numa guitarra qualquer lhe enturvecia a cabeça. Aparecia de volta aquele olhar. Olhos de ressaca? Só se fosse do álcool intenso e cansativo que ingeria. Porra, o mundo inteiro esta lá fora e o cara lá, meio que saboreando, remoendo aquela coisa ruim. O problema é que existem lembranças. Ele travava, sem muita vontade, de apagá-las. Passava um disco pra trás dos outros. Evitava ouvir um ou outro CD. Nas roupas se complicava ainda mais: não sabia como fugir da relação imediata.

Mas nos crepúsculos é que se doia. A idéia do sol indo embora, dos móveis perdendo luz e do mundo ficando cada vez mais silencioso o assombravam. Sempre assombraram. Um cigarro não era remédio suficiente. Sentia que aquilo aumentava o tique-taque implacável do relógio. Não era o instrumento o problema. As engrenagens da máquina iam bem. As dele, não. Mas o tempo passa para todos. Passaria para ele também.

Pedro Palazzo Luccas

Tuesday, August 22, 2006

Exames da Vida

A historieta abaixo foi contada por um amigo de um amigo meu, que eu, por ofício e hábito gostaria de contar. Claro que não citarei nomes, locais e nem datas, tudo isso para resguardar os envolvidos no contado. Deixo claro também minha indignação pela bulas de remédio e pessoas que são muito complicadas de ler e entender respectivamente... abaixo o fato.

Ahhhh!!! Como é bom chegar aqui!!! - Exclamou Badalysson Durão ao dar o primeiro passo em chão firme após 7 horas de uma incômoda viagem de ônibus. Durão, como era conhecido pelas pessoas de sua cidade, sempre desejou morar na Capital. E foi exatamente na Cidade Grande onde o fato ocorreu.

Um certo dia, logo após um almoço tipicamente brasileiro, orelha de porco, buxada, costela, feijão tropeiro e de corda, arroz, mandioca, dobradinha e um limãozinho para dar o gosto, nosso protagonista resolveu tirar uma pestana, como dizia sua tão estimada e falecida avozinha.
Normal, muitas pessoas dormem depois de comer, mas Durão começou a se sentir mal depois de alguns minutos de sono. E assim preocupado, ele seguiu para o hospital!

Meninos chorando, gente queimada, sangue no chão. No corredor dos ambulatório tinha uma mulher que aguardava ansiosamente por sua vez na ultra-sonografia, dizia ela que estava passando roupa para seu marido, quando escorregou e a ponta de um cabide ficou preso na... bem, vocês podem imaginar.

"Badalysson Durão" - chamou o médico com um pouco de dificuldade e com a voz cansada.
-Qual é o seu problema? Perguntou o senhor de vestimenta branca.
-Bem dôtor. Eu tô com uns revestrés na barriga... meus olho tá virando toda hora. Acho que dessa eu num passo.
Numa analise visual, olhando de baixo pra cima, da esquerda para a direita, apalpando a barriga e naquela famosa situação do "trinta e três" com os pulmões cheios de ar, o doutor disse:
-Hum, isso deve ser inflamação estomacal... bem, eu vou passar uns exames para você e no mês que vem você retorna! Finalizou morbidamente o médico.

E para casa Badalysson foi. No outro dia às cinco da manhã, Durão esperava ansiosamente pela abertura do laboratório. Tinha maquinado a noite toda quais exames teria que fazer, o que iriam fazer com ele, o que teriam que colocar nele... até sonhou com a sua vó, falando para que ficasse quieto enquanto aquele "tiozinho" da farmácia (não só no interior, mas em vários lugares) , que às vezes tem o antigo segundo grau, enfia uma agulha em seu braço ( neste caso, pois sempre teve vergonha de mostrar suas nádegas publicamente).

Ele entregou o pedido de exame para a moça, que sorridentemente analisou o conteúdo. Fez algumas perguntas, procedimento padrão do laboratório, digitou outras coisas no computador e com firmeza no olhar informou a Durão:

-Pegue este recipiente para que o senhor possa colher o material!
-Colher o material? Indagou.
-Sim, feche bem e guarde na geladeira, pelo menor tempo possível!
-Muito obrigado.

Durão saiu do laboratório repetindo o pedido da secretário do laboratório. "Colher o material, colher o material, colher o material...". Mesmo com as malditas músicas do ônibus, que geralmente por serem ruins grudam no pensamento, Badalysson não se esqueceu...

"Colher o material".

Chegando em casa tirou os sapatos e sentou-se na cama. Abriu a sacolinha e olhou para o pequeno "pote", e só neste momento ele se deu conta, "Que porra é essa de material?".
Rapidamente voltou ao laboratório que ficava a uns 40 minutos de sua casa, isso se o trânsito estivesse livre, em caso de engarrafamento poderia levar por volta de 1 hora e meia. Entrou meio ofegante na sala de entrada, procurou a moça que o atendera, que por sinal tinha saído para comer (horário de almoço). Pacientemente ele esperou por 1 hora, talvez mais um pouco.
Assim que a senhorita chegou, ele educamente perguntou:

- Oi tive aqui de manhã, para pedir uns exame e não sei se a senhora lembra de mim... - ela balançou positivamente a cabeça - Pois é, cê disse que era pra eu colher o material, mas o que é material?!
- É colher fezes meus senhor! Respondeu a secretária com uma feição risonha.
- Ahhhhhhh!!! - Exclamou bem alto. - Brigado.

No caminho a mesma coisa. Ouvindo musicas ruins no ônibus. Pessoas se esfregando e compartilhando o odor e suor dentro do transporte coletivo, e nosso protagonista firme nas fezes. Não parava de pensar, "colher fezes, colher fezes...".

Quarenta minutos depois chegava novamente em casa. Cansado só pensava em comer alguma coisa, já que ninguém é de ferro. Depois de comer um feijão-com-arroz básico, se voltou ao seu exame, e entrou em mais um dilema:

-CARALHOOOO!! O que é fezes??? Gritou bem alto.

Neste momento Durão quase foi acometido por uma indigestão. Já não ia muito bem do estômago, com mais essa agora por pouco foi para o saco. A única coisa a se fazer, pensava ele, era ir ao laboratório novamente. Já estava grilado, pois teria que enfrentar o busão e tudo aquilo novamente, e o mais engraçado era ter que fazer isso na hora do "rush" novamente...

Depois de ter enfrentado tudo de novo, mais uma vez chega no laboratório. Com cuidado ele esperou a secretária atender a todos que estavam na sua frente. Chegou a pegar uma senha para ser atendido. Quando chamaram seu número, cautelosamente ele se aproximou e já foi se explicando para a moça, que ao vê-lo fez aquela cara (de novo?):

- Olha moça, desculpa eu, mas é que sou do interior, então eu num sei de algumas coisas. Num queria incomodar, mas o que é fezes??? Perguntou inocentemente Durão.

Surpresa e com um olhar de raiva (um daqueles que você sabe o quanto a pessoa ganha pouco para te olhar assim) ela respondeu enfaticamente:

-É BOSTA! MERDA...

Com espanto e confuso Badalysson retrucou:

-Calma moça, também não precisa me ofender xingando desse jeito... Mas me responde ai, o que é FEZES???

Renato Cirino

Tuesday, August 15, 2006

o que sobrou...

Goiânia – Salvador. Retirantes no sentido contrário na caranga branca do tio Ari. Seriam estudantes indo para um Encontro de Comunicação, não fosse o espírito “viagem com a galera da facu”. A intenção faz toda a diferença. Mas fomos. Um grupinho um tanto quanto heterogêneo, abarcando desde alguns supostos jornalistas até uma trupe de calouras que vamos combinar. Esquece. Logo na ida, a desarmonia musical já causou algumas divergências. Confesso que meu ouvido não é capaz de aturar “fuca na butuca” nem no pior estado de embriaguez. Mas, entrou na chuva... E como se não bastasse, as pessoas com um pouco mais de senso não levaram música suficiente para as vinte e oito horas de chão. Dá-lhe Ray Charles e Jack Johnson. Sobrevivemos e por fim, chegamos à universidade, situada a menos de cem metros da praia. Fomos assistir ao nascer do sol em cima de uma pedra da Barra. Depois desse episódio comecei a ser outra pessoa. E já no primeiro dia do evento, a organização facilitou nossa desistência. Então nos restou o duro ofício de conhecer o que a Bahia ainda tem.

Nesse tipo de viagem alguns momentos fazem valer a pena todo sacrifício. Valem a penúria da convivência em grupo (pelo bem coletivo e pelo mal próprio). Valem o constrangimento da intimidade forçada, do banho quase unisex, os roncos, valem a vontade de mijar ao menos um dia sentada e defecar em algum lugar que não pareça banheiro químico. Valem aquela fila de restaurante popular na hora do almoço, valem tomar um café que mais parece feijão servido com batata doce.

São momentos que compensam tudo, como encarar aquela imensidão desconcertante que é o mar, olhar seu encontro com o céu e não saber nem pensar nada. Momentos como topar com uma batucada baiana nas ruas do Pelourinho, ver de perto aquelas mãos que tocam o repique e o timbau num prazer que o corpo quer a qualquer custo e daí, não conseguir recusar os passos. Entrar por acaso num espaço dançante e testemunhar um bolero tocado ao vivo para os senhores e senhoras se acabarem de dançar. Melhor ainda: estar só com mais três amigos...ê sorte! Experimentar aquelas doses de pingas exóticas e afrodisíacas. Andar pelas ruas à toinha, e achar um café todo charmoso com uma decoração cabulosa e um capuccino baratinho. Momentos de conversas, de restauração de amizade que havia se tornado rotina.

Embora o Elevador Lacerda tenha decepcionado um pouco, o episódio do Gatorade foi impagável. É que nosso companheiro não sabia que os pedintes de Salvador têm uma maneira educada de pedir as coisas. “Me dá um gole, tio?” fica melhor que pedir logo tudo. Mas nosso companheiro levou a sério a sutileza do menino. Entregou a garrafa, esperando só o gole. Tinha acabado de comprar. O menino pegou a garrafa, virou as costas e saiu tomando de glut glut, enquanto a gente assistia a cena, vendo nosso amigo esperando não sei o quê, com uma cara de mané passado para trás por um moleque de pouco mais de 1m.

Alguns não viram. Ainda bem. Sorte minha e dos quatro seres chapados que estavam comigo. Bebi tanto que encontrei até cabimento em dar uma estrela de vestido, no meio da chuva, na pista de dança. Realiza a cena desta pessoa neste gesto olímpico. É, eu também não consegui.

Outro momento memorável foi nosso desabafo coletivo no Bar do Paredão. Haja saco para aturar certas coisas. Quem não estava ou não ficou até o final pode se preocupar, porque com certeza seu nome entrou na roda das línguas felinas. Fizemos uma espécie de Big Brother de verão e colocamos na mesa quem nós achávamos que eram dispensáveis no coletivo, seja pela falta de interação, seja pelo excesso de participação. Incrível eram os argumentos e a capacidade que temos de dissimular o que pensamos das pessoas. Também não foi só veneno, fizemos elogios às pessoas que mereciam.

Afinal, nessas viagens, a presença de algumas pessoas é de suma importância. Não teria a mesma graça sem a presença espontânea de Zetinha, o terror dos moradores de Salvador. Ela tornou os ônibus coletivos um verdadeiro trio elétrico com batuque e tudo. Imagine você entrar no buzão, numa bruta segunda feira, depois do expediente e deparar com um singelo grupo de trinta pessoas cantando e dançando Tchaco, eu tô em cima eu tô em baixo, Piririm pom pom, piririm pom pom é Goiás no Enecom. Ou viajar ao lado de um fanho que vai cantando a musiquinha da pamonha vai pamonha, vai cural. É no mínimo engraçado. Melhor que isso só pegar um taxista que, para lá de meia noite, arruma ânimo para curtir um mambo em ritmo de batuque. E enquanto o som do carro mandava ver no volare, ôô, cantare, ôôôô o motorista se divertia no zigue zague e nas ultrapassagens. Atrás, outro grupo viajava ao som do badalo do negão. Deu até para criar um filme erótico de Emanuelle em Salvador com o título: Emanuelle e o badalo do negão. Criação do João, outra pessoa que tem umas tiradas muito bem vindas. A da fotografia foi a melhor. Não vou citar um por um, mas valeu aqueles que fizeram essa saga de retirantes compensar. Ah, não podia esquecer do último instante da viagem. A gente queria de verdade ver o oco, mas suspeito que as pessoas não entenderam o gesto. De quaquer modo, essa é a minha galera!!!
lorena maria

Thursday, August 03, 2006

Molho de Chaves





"A morte é tudo que nos apreende. Manoel de Barros é tudo que nos escapa. "
Wertem









O encardido confortável da parede. Uma goteira silenciosa. Seus brincos amassados. Mistérios que não se mordem com caninos. Uma tosse seca no meio da noite...
Não é preciso tanto amor para não se esquecer das migalhas. E mesmo sem abrir todas as portas - sem nunca abrir todas as portas - você não se desfaz do molho de chaves, pesando nos bolsos.

João Gabriel

Tuesday, July 04, 2006

Se Me Deixam Falar...

Mulher, pobre, descendente de indígenas, esposa de um minerador, tudo isso durante a ditadura militar no interior da Bolívia. É disso que trata o livro “Se Me Deixam Falar...”, o título faz jus à falta de liberdade de expressão e repressão sofrida pela personagem principal, Domitila, a esposa de um minerador boliviano. Claro que acima de Domitila, os verdadeiros personagens principais são a injustiça, a repressão e força transmitida pela história, as lutas e busca por ideais e por uma vida melhor e mais digna.

A história se passa nos altiplanos bolivianos, aonde os mineradores recebiam uma casa de dois cômodos para morar com a família, independente de quantas pessoas fossem. Já começa aí a injustiça com os trabalhadores que movimentam a economia do país, que tem na mineração uma das suas principais riquezas. Isso antes do regime militar, com a entrada dos militares a situação muda pra pior, pois qualquer movimento de indignação por parte dos trabalhadores passou a ser reprimido com violência brutal e desnecessária.

O que mais impressiona é a história de vida da personagem, desde a infância difícil (foi criada pelo pai, um trabalhador com ideais de respeito, direitos e força de vontade), as várias situações que sofreu na ditadura militar e ainda a vontade de contar sua história para que todos saibam que isso acontece e não só na Bolívia, mas em todos os lugares. Domitila mostra uma força sobrenatural que a faz resistir desde violência física à pressão psicológica, mas não a faz abandonar seus ideais e suas qualidades, e acima de tudo faz com que ela lute em nome de todos que passaram pelas mesmas coisas que ela. De dona-de-casa a representante internacional das mulheres bolivianas, ela passou por coisas que ninguém gostaria de passar e tudo isso movida por seus ideais de justiça, dignidade, respeito ao trabalhador, às mulheres e acima de tudo ao ser humano e sua liberdade, de pensar, se expressar e trabalhar.

Com certeza, muitas pessoas não imaginam as atrocidades pela qual milhões de seres humanos passam por este mundo, e este é apenas mais um caso, que muitas vezes passam despercebidos aos olhos da imprensa e da sociedade, cada vez menos preocupada com o ser humano e sim com seu egoísmo e futilidades. Moema Viezzer soube captar a opinião de uma pessoa extraordinária e não se intrometeu, apenas relatou o que ouviu e em nada interferiu na história. Isso mostra a importância e força que podemos ter, qualquer um, independente de escolaridade, etnia, religião ou classe (condição) social. Alem disso a linguagem do livro é bem simples e fácil, permitindo que qualquer pessoa possa ler e aprender com este relato pessoal, mas que transpassa fronteiras e diferentes realidades.

Além de morarem em pequenas casas, os mineradores compravam seu alimento e outros utensílios da própria empresa pra qual trabalhavam, se submetendo a gastar quase todo seu salário com a empresa. As doenças entre os trabalhadores eram comuns, e a principal era o “mal da mina”, doença respiratória causada pela falta de equipamento de proteção adequado e pelo excesso de poeira. A carga horária excessiva deixava os trabalhadores mais fracos e vulneráveis, muitas vezes trabalhadores não tinham tempo de se alimentar da maneira ideal.

Como os maridos ficavam quase o dia inteiro fora, as mulheres acabavam sendo apenas donas-de-casa, responsáveis pelos filhos e pela casa, ficando assim sem tempo para trabalhar. Com a falta de tempo entre os homens, as esposas se uniram em um sindicato das donas-de-casa, o que permitiu a elas discutirem e repensar a situação de exploração vivida, partindo muitas vezes desse sindicato, movimentos contra a empresa.

Outra luta que ela levantava era pela valorização da mulher, o tempo todo ela deixa claro que a igualdade entre homem e mulher poderia acabar com muitos problemas da humanidade. Isso ela não aprendeu através de estudo, mas com a vida e soube perceber através de seu caso em particular, que era uma questão global. Domitila passou a infância ajudando a cuidar de suas irmãs, ficando às vezes sem tempo para estudar, então não teve uma formação das melhores na escola. Sua vivência e também muitos dos ideais de seu pai a permitiram questionar e compreender a exploração pela qual passavam os trabalhadores. É impressionante, pois até ela mesma fala que não conhecia o comunismo, mas seus ideais se aproximavam demais desta linha de pensamento, as idéias de igualdade e contrárias a exploração do homem pelo homem sempre a acompanharam, desde sempre.

Ao vivenciar tal situação na pele, não conseguia ficar parada nem calada, falava o que pensava sobre o assunto, protestava, manifestava, lutava mesmo pelos seus ideais de uma vida digna e sem exploração. Infelizmente essa luta a fez passar pelos piores pesadelos, foi presa, agredida, espancada, perdeu um filho ao ser espancada na cadeia, passou por problemas psicológicos e mesmo assim não desistiu da luta. Foi convidada a representar as mulheres dos mineiros bolivianos na ONU (Organização das Nações Unidas) e compareceu com um depoimento que deixou clara a situação que ocorria na Bolívia.

Sob suspeita de comunismo, passou a ser procurada pelo governo ditatorial e teve que fugir diversas vezes, mas sem nunca abandonar a causa e seus ideais. Muitas pessoas a aconselharam a parar, inclusive seu marido, porém sua força de vontade era maior do que seu medo, e sua indignação poderia vencer qualquer arma. Acusações absurdas foram feitas em seu nome, como, por exemplo, a de que ela recebia dinheiro de potências comunistas (como Cuba, China ou União Soviética) para armar pessoas e incentivá-las a uma luta armada. Domitila era uma pessoa pacífica e em momento algum recebeu qualquer dinheiro para incentivar uma luta armada, pelo contrário, passou por todo tipo de dificuldade por ser pobre e às vezes não tinha dinheiro nem para comprar carne para se alimentar.

Ao final do livro, em uma entrevista que Domitila cedeu a Moema Viezzer, logo após todo o ocorrido, a dona-de-casa que liderou e ajudou tantas pessoas, reafirma seus pensamentos e fala da importância das pessoas terem conhecimento do que ocorria naquele lugar específico da Bolívia, mas que com certeza acontece em vários outros lugares.

Domitila também critica a distância entre as pessoas que detêm o conhecimento, como universitários, e as pessoas que não tiveram oportunidade de se informarem. Ela diz que existe uma grande falha de comunicação entre esses dois extremos e que isso causa um grande atraso em qualquer sociedade. É importante unir o conhecimento teórico com a prática, além de unir as próprias pessoas que fazem parte dessa mesma sociedade.

Não se pode deixar de perceber também a luta pela libertação das mulheres que é claramente retratada na história e nas convicções de Domitila. Além de uma luta trabalhadora, a luta da igualdade entre os sexos, mesmo não sendo o principal assunto do livro, é de extrema importância compreender que se trata também deste tema. “Se Me Deixam Falar...” trata basicamente disto, luta trabalhadora, liberdades individuais, luta por seus ideais (desde que sejam bons ideais), e a busca de igualdade entre os sexos.

É fundamental compreender e fazer essa ligação entre os temas, pois a própria Domitila deixa explícita a importância da mulher na sociedade, na família e no trabalho. O que seria dos trabalhadores (nesse caso) sem suas mulheres para cuidarem da casa e da comida? Não existe superioridade entre os sexos, e uma mulher com pouco estudo mostra isso da melhor forma, porém passando pelas piores coisas que se pode passar (humilhação, desrespeito, violência física e psicológica). E muitas pessoas com conhecimento e diplomas ainda conseguem pensar numa superioridade entre qualquer dos sexos, principalmente homens.

Domitila mostra que enquanto houver desigualdade social, exploração e desigualdade entre homem e mulher, as coisas não poderão avançar e muitas pessoas vão sofrer, tanto quanto ela, ou até mais. A dignidade engrandece as pessoas, e conseqüentemente a sociedade, e a melhor maneira de se alcançar a dignidade é através do trabalho, do bom senso e se sentindo valorizado, seja qual for seu sexo e sua condição, ou classe social.

Gil Vieira Di Cavalcanti